sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

31 – Do silêncio à outra face da medalha da cidade

O nosso almoço foi bastante tristonho, pensativo e compenetrado. O meu pai quis sair logo após a refeição em direcção da Câmara para a reunião do Concelho Municipal. Eu fui ter com o Mike e fomos à procura dos restantes Espinhos. A Vanessa continuava de mau humor e pareceu ficar pior quando aparecemos, mas veio à mesma connosco. Passámos pela casa do Luís, que estava a acabar de comer e depois fomos à casa da Joana.

A principal característica estranha deste início de tarde foi o silêncio. Silveira estava transformada numa cidade deserta, fantasma. Normalmente via-se sempre alguém circulando, nem que fosse na Main, mas nada, ninguém passeava, passava apressado ou esperava por alguém. O Food and Liquors e o Young’s estavam fechados. As igrejas também. O silêncio estendia-se à natureza, nem vento soprava, nem pássaros ou moscas ouviam-se. Nada. O que faz a aparição de duas forasteiras, sobretudo se uma delas for neta do fundador da cidade. Fundador e dono.

A casa da Joana ficava por cima do consultório do pai. E se os restantes Espinhos moravam relativamente perto na zona poente da cidade, ela ficava perto do Liceu no fim da cidade a sul. O fim da cidade caracteriza-se pelo descuidado na estética urbanística. Há mais casas pobres, lembrando barracas, com hortas e pocilgas, galinheiros e coelheiras. A casa da Joana é a melhor do quarteirão e a família é muito respeitada na zona. Quem vive ali ou são idosos analfabetos ou pobres que não se adaptaram ao Silveira’s way of life. O pai da Joana funciona para aquela comunidade como um porta-voz seu na sociedade silveirense, é o seu médico, líder e protector. A mãe da Joana dá explicações de graça às crianças vizinhas. A Joana e a irmã, mesmo que a contragosto, são um modelo e exemplo para as raparigas e jovens.

Se é verdade que a sociedade juvenil silveirense se divide nas facções “bem” e “aspirante”, se é verdade que nós os Espinhos somos como que outsiders a essa lógica, é também verdade que os jovens da zona sul da cidade são os párias da nossa sociedade. Falo em sociedade juvenil silveirense porque é na nossa idade que estas culturas são mais evidentes, mas nos adultos isso também se vê. Há convenções sociais a respeitar. A nossa sociedade está escalonada não tanto numa coisa tão rígida como casta, mas classes ou grupos sociais. Embora não haja propriamente violência na cidade, os problemas quando surgem têm como vector a população da zona sul: ou originam o conflito ou são alvo de alguma provocação. A Joana e a irmã só pertenciam ao grupo “bem” por inerência familiar, pois por origem bairrista seriam párias.

Mesmo nesta zona o silêncio imperava.

1 comentário:

  1. Mais uma vez, li dois episódios de uma assentada. Pergunto-me se se justifica tanto silêncio, tanta consternação. A herdeira até pode ser boa rapariga...

    Desejo-lhe um bom 2011, amigo Jota! E que o Ano Novo traga também coisas boas a Silveira.

    P.S. Como vê, despedi-me da Kássia Kiss. À meia-noite, vai ser publicado um post sobre isso (está programado, não planeio passar o ano agarrada ao computador :)

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