sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

29 – O que se passou lá dentro

Assim que o ajuntamento começou a dispersar, o meu pai, visivelmente incomodado, furou por onde pode e encaminhou-se para casa. É claro que fui com ele. O pai da Joana seguia pelo mesmo caminho e ela veio ter connosco, juntamente com o Mike e a Vanessa. Tentei saber o que se passara na Delegacia, mas os dois disseram que era melhor falar em casa. Eles pareceram surpreendidos por nos verem os quatro juntos. A existência dos Espinhos não foi propriamente publicitada. Mais tarde soube que o pai da Joana lhe felicitou por ela ter mudado para companhias não tão sedentas de poder ou prestígio. Um grande elogio.

Não demorou muito para que os dois membros do Concelho Municipal seguissem caminhos diferentes e nós também. O Mike veio comigo e a Vanessa foi com a Joana. Por causa de tudo isto o meu pai só iria ver a inscrição na parede na segunda-feira.

Em casa as mulheres da família esperavam-nos ansiosas. O Mike entrou como se fosse da casa e abancou-se na sala. A reunião familiar ia começar. O meu pai olhou fixamente para o Mike e eu pela primeira vez pensei que ia pedir-lhe para se retirar. Efectivamente pediu-lhe para sair, mas para voltar logo em seguida com a família dele. A reunião seria de duas famílias. As duas deram-se sempre muito bem. A minha mãe aproveitou para ir fazer qualquer coisa à cozinha. A Bia quis saber por onde eu andara. Lá contei que tinha ido à missa. Espanto geral. A minha mãe e as minhas irmãs costumam ir à missa vespertina, mas já há muito que tinham desistido de me arrastar. Antes que me obrigassem a explicar o porquê de tão inusitada acção o Mike chegou com a mãe e o pai dele. Os restantes irmãos não vieram.

O meu pai começou:

- Todos vocês já sabem que apareceram duas forasteiras na cidade afirmando que uma delas é neta do Senhor Teotónio. Foi isso que foi dito ao Xerife Torcato na presença do Beto e da Joana Capuchinho. O Xerife levou as forasteira para a sua delegacia e lá reuniu-se o Concelho Municipal. Para meu espanto, o Dr. Capuchinho tomou as rédeas da conversa com a Dona Bernarda, a tia da suposta neta do Sr. Teotónio. Ela apresentou-se e apresentou a sobrinha. Contou-nos que ela era a tutora legal da sobrinha há um ano e meio, por morte da mãe da jovem, sua cunhada. Só recentemente é que a tia tomou conhecimento do passado da mãe da cunhada e da história com o Sr. Teotónio. Ela apresentou uma certidão de nascimento em que o nome do Sr. Teotónio aparece claramente como pai de uma menina, cujo nome aparece na certidão de nascimento da sobrinha. Ela depois contou que sendo tutora da sobrinha esteve a fazer uma arrumação e inventariação aos papéis da irmã, tendo encontrado diversos documentos e cartas que ligam a sobrinha ao Sr. Teotónio. Ela entregou cópias autenticadas por notário ao Concelho. Segundo a opinião dela, não há a menor dúvida sobre o parentesco entre os dois. O Concelho vai reunir-se de emergência de tarde para analisar e deliberar sobre este caso. Como a casa do Sr. Teotónio está em obras, o Dr. Capuchinho ofereceu a sua casa para hospedá-las. E foi isto que aconteceu na Delegacia.

- O amigo Ventura acha que esta história é verdadeira? Que a miúda é mesmo neta do velho Teotónio? – perguntou o Sr. Gustavo pai do Mike.

O meu pai, num encolher de ombros, disse que tudo indicava que sim. O silêncio instalou-se pesado na sala.

2 comentários:

  1. Enfim, se ela é mesmo neta, é justo que receba a sua herança... E porque é que isso tem que ser um mau sinal? A ver vamos.

    Se a Joana é mesmo a autora dos versos, parece que o nosso herói obterá a bênção do pai dela ;)

    É interessante verificar que o herói tinha uma certa resistência em ir à missa. E, como a história é escrita na primeira pessoa, ele será uma espécie de "alter-ego" do autor... O amigo Jota também já teve uma fase de resistência em ir à missa?

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  2. Nos próximos episódios acho que a questão de ser bom ou mau sinal vai ficar clarificada.

    Em relação à questão de o Beto ser um "alter-ego" não o vejo como tal. Na realidade nos últimos projectos que tenho trabalhado tenho tentado afastar o herói de mim. Apesar de falar na primeira pessoa, se existem características comuns entre mim e ele é por acaso. No que diz respeito à vida religiosa esse é um ponto de divergência. Desde os meus tempos de catequese que tenho ido sempre à missa. Houve uma fase no final da adolescência de menos participação a outros níveis, sobretudo no sacramento da reconciliação.

    Por outro lado, vai aparecer mais à frente algo mais pessoal meu e assim que aparecer todos vão dizer: "pois claro, tinha que meter isto" :)

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