terça-feira, 21 de dezembro de 2010

28 - Legenda

O Mayor falou. O que disse é que... me... parece... que não esclareceu lá muito. Tomei a liberdade de não cortar o discurso com as minhas observações, mas numerá-lo, e por isso aqui vai a legenda:

1 – Aqui o discurso começa a descambar. Vê-se logo que é um político a falar, um político que ou não tem nada para dizer ou tem e não quer. É precisa uma certa arte para começar um discurso em que dá a ideia que nos vai dizer alguma coisa e depois... depois sobe à estratosfera do delírio.

2 – Aqui começa o bloco retórico por mim intitulado “Todo”. Anteriormente descobrira que o nosso Mayor usava esta técnica. Mais ou menos a meio do discurso começava várias frases com a palavra “todo”, normalmente seguida da palavra “Silveirense”. O bloco “Todo” tem por objectivo agregar o público num objectivo comum que é o orgulho por ser Silveirense. Desta vez surgiu uma inovação: depois de dois “todo” no singular, dirigindo-se para uma população genérica quase abstracta, lança uma frase sem o “todo” mas fazendo ver que Silveira éramos nós os ouvintes e em seguida retoma com toda a pujança o “todo” agora no plural englobando-nos no discurso, incluindo o orador. E assim arrebatou a audiência.

3 – Aqui começa o derradeiro e mais desesperado apelo ao orgulho Silveirense. O Mayor já não fala sozinho, nem de si próprio em especial, ele fala por nós. Não só as pessoas estavam conquistadas, como também os próprios edifícios, pedras da calçada (se existissem, aqui é tudo no mais puro cimento estilo americano). O Mayor, o nosso Sumo Sacredote, na sua voz pungente exprimia todo o sentimento de gratidão e amor que brotava do mais profundo recanto da alma de cada um ali presente.

4 – Neste momento tradicional dos vivas, a audiência não se conteve e explodiu em vivas, acenos com os braços, largos sorrisos, vozes embargadas pela emoção, muitas lágrimas mal disfarçadas. Se as pedras da calçada, mais uma vez, se elas tivessem bocas e braços, também dariam vivas. Quase que estou a dar vivas agora mesmo. Passemos à última nota.

5 – Com o povo em delírio, quiçá em transe, e incontrolavelmente controlado, o Mayor despede-se sem dizer uma só palavra sobre as forasteiras. O homem é mesmo bom nisto. Falou e não disse nada. Falou e conseguiu que aquela pequena multidão fosse para casa feliz e contente na total ignorância. Viva o Mayor! Viva!

1 comentário:

  1. Lol, nem mais, isto vai mesmo ao encontro do meu último comentário.

    Já me tinha perguntado o que queriam dizer os números no meio do discurso. Pois, uma boa análise ;)

    "Não só as pessoas estavam conquistadas, como também os próprios edifícios, pedras da calçada" - ao bom estilo americano, um político nato!

    ResponderEliminar

Queria deixar aqui a sua opinião.