terça-feira, 30 de novembro de 2010

22 – Jogos florais em frente à Câmara

O velho Teotónio da Silva deixou uma herdeira.

Talvez por ter batido com a cabeça umas horas antes tive uma reacção estranha, mesmo para os meus critérios de indiferente:

- Então somos primos. Eu sou o Beto, prazer. – Estendi a mão para cumprimentá-la.

- Prazer em conhecê-lo Beto. – Ela tem um toque de mão suave, estremeci por dentro. Se calhar corei, mas a outra não deixou a coisa continuar.

- Oh, que felicidade, é comovente o reencontro familiar, senhor Beto Prazer. Vejo que tem reacções rápidas, mal conheceu a herdeira, já está a tentar ganhar pontos. Vamos Clarissa, temos que descansar. A menina bem que podia ter herdado uma coisa bem mais perto do primeiro mundo.

As duas pegaram nas suas coisas e começaram a andar. A Joana estava quase a rir à gargalhada. O Xerife parecia confuso. Mais uma vez tive o impulso de as seguir. Se percebi bem ela chamou-me oportunista, tinha que desmenti-la.

- E como é a sua graça, senhora? – Estava a ir bem. A sobrinha parou e virou-se obviamente divertida. A tia teve que parar.

- Sim? – Disse ela.

- A senhora, como se chama?

- Não me diga que vai cair no absurdo de dizer que é meu parente.

- Se for parente do Teotónio... mas não é por isso, afinal já apresentou a sua sobrinha. E eu também já me apresentei.

- O fedelho é impertinente. – Fez uma pausa para mudar para uma expressão de simpatia. – Eu chamo-me Bernarda Augusta Pascoaes Meneses de Botelho Castro. Pode me fazer a gentileza de indicar a casa do senhor Teotónio da Silva?

- Prazer em conhecê-la. A casa fica por trás da Câmara. Eu levo-as lá. – Acho que exagerei no polimento vocal. A Joana estava quase a chorar de tanto se esforçar por não desatar à gargalhada.

- Não – A forma como a Bernarda falou foi quase implorando ou ordenando, não lhe liguei nenhuma. -...é necessário, de certeza que tem mais do que fazer. E afinal a casa fica aqui perto.

- De modo algum, onde estaria a cortesia silveirense se as deixasse ir carregadas e sozinhas. De modo algum. – Estava a estender o braço para aliviar a prima Clarissa da bagagem quando o Xerife me interrompeu.

- Bem vamos acabar com esta palhaçada. As senhoras queiram me acompanhar à delegacia para esclarecermos as coisas. E não é um pedido.

Pronto, a autoridade falou e ordenou. A forasteira mais velha olhou horrorizada e começava a preparar um discurso de indignação, mas a expressão do Xerife Torcato não lhe deixou margem para replicar. É esta a grande qualidade do Xerife: sabe impor a sua vontade sem violência, só com a voz e expressão. As forasteiras juntaram-se a ele como cordeirinhos e lá foram para a delegacia. Pois a esquadra de polícia é chamada delegacia por estes lados.

Ao passar por mim a Clarissa sorriu-me. Fiquei com a impressão de que não estava ali por vontade própria. Talvez não gostasse de estar sob as ordens da bruxa da tia. Tia no pior sentido do termo. A Joana tinha lágrimas a escorrer e a boca fechada com dificuldade, nos cantos notavam-se pequenos tiques sorridentes. Eu consigo controlar-me melhor.

Seguimo-las até à delegacia, cem metros de caminho. Por ali a população começava a juntar-se. Mal entraram no edifico um ajudante do Xerife colocou-se à porta para ninguém entrar. E disse:
- Vão à vossa vida. Não há nada para ver aqui. Se houver alguma coisa que seja do interesse público todos serão informados. Vão para casa. Vá, desmobilizem.

A nossa autoridade tem uns modos muito antiquados, sem dúvida. Algumas pessoas fizeram perguntas: quem eram as forasteiras? Que queriam? Só eu e Joana tínhamos ouvido a notícia bombástica. Fizeram-nos perguntas, mas a Joana puxou por mim dizendo que nada sabíamos. Ela fez bem, podíamos gerar muita confusão. Andámos um bom bocado pela Main. Perto da loja do meu pai ela desmanchou-se a rir:

- Beto Prazer?! Ah ah ah ah.

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