sexta-feira, 5 de novembro de 2010

15 – RCS e RTS (e como começo um assunto e desenvolvo outro)

meu amor meu amado
estou só sozinha ignota
se soubesses como sou devota
se soubesses como gosto de estar ao teu lado


Estes versos não me saíram mais da cabeça. Tinha acabado o meu primeiro dia de cumprimento do sonho de trabalhar numa rádio, quando a caminho de casa deparei com esta quadra escrita a vermelho numa parede lateral da Câmara.

Debato-me sobre o que primeiro devo falar, se da quadra, se do meu primeiro dia na rádio. Hesito. Bem, como os versos apareceram de início, dou a primazia ao meu sonho.

Desde pequeno que gosto muito de música, sobretudo de ouvi-la, pois tocá-la é impossível. Uma das lacunas de Silveira é não ter nenhuma loja de música. Música, filmes e livros, nada de cultura. Por isso só temos duas formas fáceis de ouvir música: quando alguém toca no coreto ou pela rádio. Como a cultura não é das coisas mais incentivadas na cidade, a rádio demorou a chegar, ou melhor, uma estação de rádio sediada em Silveira.

Uma das razões para que aquela teoria do mundo paralelo não seja verdadeira está nas ondas hertzianas. Afinal em qualquer sítio da cidade consegue-se ouvir todas as estações de rádio que se ouvem em Sabugal. Pode-se dizer que as ondas passam pelo portal, mas parece-me um pouco forçado.

A RCS, Rádio Clube Silveirense, deve ter uns dez anos e emite exclusivamente para a cidade e arredores. Portanto é mais uma coisa ilegal neste sítio. Foi difícil a autorização por parte do Concelho Municipal, essa corja de incultos e retrógrados. Dos cinco pioneiros só um, Manuel Castro, conseguiu ter forças para seguir em frente e criar praticamente sozinho a rádio silveirense. É claro que logo que conseguiu o espaço, as máquinas, a antena e respectivo gerador, e conseguiu pôr no ar música, o Concelho quase que municipalizou a estação. Assenhorou-se de tudo, houve muita discussão, e depois da ameaça por parte do Manuel de partir tudo e deitar abaixo a antena, chegaram a um acordo: o Manuel seria o dono, director e principal gerente, mas a emissora era obrigada a ter espaços para a municipalidade.

Como é que é a rádio em termos de programação? Podia ser melhor. O município estipulou uma percentagem grande de música por eles escolhida. Nas horas nobres os programas são responsabilidade do Concelho, ou seja, das sete da manhã até às dez e das seis da tarde às nove da noite. O resto do tempo é livre. Das sete da tarde às nove a emissão sobrepõe-se à da televisão RTS, Rádio Televisão de Silveira. Começa com uma hora de notícias locais e exteriores. Das oito às nove há um programa ao vivo com passatempos e música. A RTS só existe neste horário durante a semana, ao fim-de-semana emite até à meia-noite.

Mas não é a televisão que me interessa. Há alguns meses surgiu a oportunidade de conseguir entrar para os quadros da rádio. O sucesso da rádio é considerável e eles começaram a precisar de mais colaboradores. Inscrevi-me, após uma espera longa, vários testes e outra espera, mais um período de reflexão parental lá consegui o lugar de assistente de realização.

No primeiro dia, ou melhor, noite, pois trabalharia das nove às onze, estive a ambientar-me ao universo. A estação situa-se na zona do Young destinada à discoteca, que ultimamente se tem deslocado para o pavilhão desportivo do Liceu. Assim os programas ao vivo poderão ter público e há espaço para duas cabinas independentes. Enquanto uma está em emissão a outra pode estar a gravar um programa da madrugada ou um anúncio. Por mim teria ficado até de manhã na rádio, mas às onze mandaram-me embora.

Para casa eu podia seguir pela New England ou pela Main e depois cortar pela Câmara, visto que moramos como que atrás para sul do edifício, mais propriamente nas traseiras do hospital. Terei que falar da configuração urbanística de Silveira brevemente. Naquela noite decidi ir pela Câmara. E foi assim que vi os versos.

1 comentário:

  1. Também eu já trabalhei numa estação de rádio. Mas as minhas expectativas ficaram por realizar. Bem, é verdade que a minha vida, a certa altura, deu uma volta inesperada. Quem sabe, o que faria hoje, se tivesse ficado na rádio...

    Ainda bem que o narrador desta história gosta do que faz :)

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