sexta-feira, 26 de novembro de 2010

21 – As forasteiras

A Joana e eu demos conta ao mesmo tempo da chegada destas duas forasteiras. Pareciam ser mãe e filha, sendo a mais nova aparentemente da nossa idade. Vinham com malas de viagem, por isso: estavam de passagem, certamente perdidas, ou vinham para ficar. Mesmo que desejem ficar temporariamente há um problema, nós não temos hotéis nem pensões. Nunca se pôs a hipótese de recebermos visitas estranhas à terra, afinal somos clandestinos.

- Isto vai ser interessante. – Disse ao meu lado a Joana. E tinha razão. Como não recebemos visitas, as visitas que surgissem seriam um problema para as autoridades silveirenses. Uma coisa era certa, não ia dormir tão cedo.

Em frente da igreja começou a juntar-se um grupo considerável de pessoas. Há sempre alguém muito prestável e só consegui ver um vulto a desaparecer para dentro da cadeia. O edifício tem por razões óbvias a única esquadra de polícia, se não disse antes, digo agora: também temos um xerife e é igualmente eleito como os seus congéneres do outro lado do oceano.

As forasteiras, que vinham bem pesadas, fingiram que nós éramos umas árvores ou estátuas. Iam passar por nós como fariam em qualquer outra cidade onde não conhecem ninguém. A mais nova parecia ligeiramente incomodada. A outra não.

Passaram por nós e confirmou-se o desprezo a nós votado pelas forasteiras. Elas ignoraram os comentários de várias pessoas e seguiram em direcção da Câmara. Ninguém fez menção de ir atrás delas. Não sei o que me deu, mas resolvi segui-las. Terá sido um instinto adormecido de jornalista que acordou? Terás sido curiosidade? A Joana acompanhou-me.

Elas pararam em frente à Câmara contemplando-a. A forasteira mais nova deu conta que nós as seguíamos. Mirou-nos várias vezes. Eu, com uma ousadia desconhecida, resolvi tomá-las por turistas, à falta de mais correcta informação.

- Bom dia, este edifício é a sede da nossa Câmara Municipal. Como podem ver, tem uma arquitectura neo-clássica típica das pequenas cidades dos Estados Unidos da América. – Quem diria que as aulas de Cultura Cívica dariam frutos?

- Eu sei. Sabe onde está quem manda nisto tudo? – Perguntou a forasteira mais velha. Ela causou-me logo uma péssima impressão. Tratou-nos demasiadamente snob.

- Nisto tudo? – Como ela se armou em parva, armai-me em parvo também.

- Sim. Em tudo o que se vê aqui à volta.

- Bem, quem manda nesta terra é... – fiz uma pausa só para irritá-la – o povo desta terra, tal como em todo o país. O povo é soberano.

- Olhe, miudinho, não se arme em engraçadinho comigo. Onde está o presidente da junta disto aqui? Mora aqui dentro?

- Acha que iria viver aqui? – Ia continuar a falar quando apareceu atrás de mim o Xerife Torcato, uma das pessoas em Silveira com melhor emprego.

- Bom dia, minha senhora, menina, – tirou o chapéu e fez uma pequena vénia a cada uma delas, depois perguntou num sorriso no final – em quê que posso ser útil?

- É o senhor que manda nesta terra?

- Senhora, eu somente garanto a ordem. Presumo que procure o nosso autarca. – Há uma certa cautela instintiva para não expormos as nossas idiossincrasias.

- Se assim quiser chamar, sim, eu quero.

- Como representante da autoridade posso perguntar-lhe o que deseja com ele?

- Pensado bem, o senhor pode nos ajudar. Pode nos indicar onde fica a casa do senhor Teotónio da Silva?

- A casa... onde… ele viveu?

- Claro.

- Está fechada. Só a abrimos em ocasiões especiais. O povo daqui não é lá muito de ir a museus.

- A casa do senhor Teotónio é um museu?

- Claro.

- É ao menos casa museu? Mantém os pertences do senhor Teotónio?

- Sim está quase como ele a deixou.

- Óptimo. Leve-nos lá. Fizemos uma viagem muito longa e precisamos descansar.

- Desculpe, julgo não estar a entender bem. A senhora está a querer ir descansar para a casa museu do senhor Teotónio?

- Claro. Já que o líder desta terriola não aparece, venho lhe comunicar que aqui a minha
sobrinha vem reclamar a propriedade de tudo o que se vê em redor.

O Xerife Torcato demonstrou uma total incompreensão, ficou vermelho e a suar. A forasteira mais nova ora mirava-nos, ora mirava as outras pessoas que ela ignorara há pouco, ora mirava os seus sapatos. A mais velha com uma expressão de triunfo disse:

- Aqui a minha sobrinha, Clarissa é neta do venerável Teotónio da Silva.

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