terça-feira, 23 de novembro de 2010

20 – Do vazio à presença

Fui dos primeiros a entrar na igreja. Fiquei perto da entrada. Obviamente que podia me ajoelhar. Fiquei absorto nos meus pensamentos desordenados. Procurei não pensar, nem sentir nada. Fixei-me no sacrário, é ali que está Jesus em corpo e espírito. Achei curioso ter tido esta ideia de vir à igreja, esta necessidade. Não estava a sofrer nenhum desgosto. Não tinha nenhuma doença para pedir cura. Também não tinha uma grande alegria para agradecer. Se eu sei que Jesus está ali, porquê que isso não muda a minha vida? Fiquei absorto, esvaziado de pensamentos e emoções. Aos poucos aquela sensação que me levara à igreja foi desaparecendo, fui sentindo-me mais quente e desperto para o que me rodeava. Dei por mim com a Joana ao meu lado, observando-me.

- Bom dia, - murmurou ela, sorrindo – que boa surpresa. O que te aconteceu? - Ela tinha reparado no meu galo.

- Bom dia, - murmurei eu – cai da cama e bati na mesa de cabeceira. – Ela pareceu muito espantada. – Tu costumas vir tão cedo à missa? Deves ter dormido pouco.

- Costumo. Já estou habituada a dormir pouco de sábado para domingo. Vais ficar para a missa?

- Vou. Ainda não dormi, mas estou muito bem aqui e sem sono. Apesar de não costumar vir, espero que não haja problema.

- Claro que não, a casa de Deus está aberta a todos os que queiram entrar. Olha já falta pouco tempo. Tenho que ir lá para a frente, eu sou uma das leitoras. Se quiseres podes ir para lá...

- Olha, prefiro ficar aqui, não te importas?

- Claro que não. Fico muito feliz por teres vindo. Até logo. - Imagino que mais nenhum Espinho venha à missa.

A igreja foi se enchendo. Até já tinha bastante gente quando regressei à consciência do que me rodeava e vi a Joana. Vi poucos jovens e a celebração teve menos cânticos do que aquilo que me lembrava. O coro devia vir mais tarde para a missa das onze. Não senti o tempo passar, mas perto do final o cansaço estava a tomar conta de mim.

Não esperei muito pela Joana no fim. Vinha sorridente, mas ficou apreensiva, achou-me pálido. O meu ar apelou ao seu lado materno, com certeza. Ao sair da igreja senti o fresco do dia e gostei.

- Foi muito bom ter vindo, sabes?

- Rezar faz bem.

- Eu mal me lembro do Pai-nosso. Não rezei.

- Beto, rezar não é recitar orações de cor. Rezar é entrar na intimidade de Deus, deixar que Ele Se faça presente em ti, conversar com Ele aberta e francamente. É, realmente, entrar na intimidade Dele e deixá-Lo entrar na tua como se não houvesse mais nada para além de vocês os dois. Mesmo que não saibas foi isso que eu presenciei há pouco.

Não soube o que lhe dizer. Já tinha assunto para pensar de futuro. À aquela hora, nove e meia, circulava pouca gente pela Main. Olhei para a loja do meu pai, ia comentar com a Joana sobre o novo poema, quando vi entrar na avenida pela New England duas mulheres que não conhecia. Em Silveira toda a gente se conhece, nem que seja de vista, por exemplo nunca falei com a irmã da Joana e mesmo com ela poucas vezes apesar de sermos da mesma turma desde sempre. É muito raro ver forasteiros em Silveira e àquela hora da manhã, num domingo tinham surgido duas.

1 comentário:

  1. "Ela pareceu muito espantada". Então não havia de ficar espantada, quando alguém lhe conta que caiu da cama e bateu na mesinha de cabeceira?! Convenhamos que coisas dessas não acontecem todos os dias...

    E a satisfação dela ao vê-lo não dá que pensar ao nosso herói?

    E agora ainda vêm as forasteiras, para complicar ainda mais as coisas...

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