terça-feira, 2 de novembro de 2010

14 – Amada Ventura

Já que estamos numa onda de apresentações, falto eu. Como já disse o meu pai é o gerente do Grand Groceries Silveira’s Store. Começou como moço de recados e foi subindo a pulso, sempre mostrando competência e eficiência. A minha mãe agora trabalha em casa, tal como a mãe do Mike, para o senhor Peninha. Tenho duas irmãs, a Isabel mais velha dois anos e a Beatriz mais nova quatro.

A nossa vida não tem sido fácil. A Isabel levou quase dois anos para arranjar trabalho. Teria sido fácil se não houvesse uma guerra surda contra a minha família. Não estou a dramatizar. De uma certa forma a história dos meus pais é parecida da história dos da Joana. A minha mãe é sobrinha neta do grande Teotónio. O meu avô Serafim era o irmão mais novo, ainda não tinha dois anos quando o venerável fugiu com o rabo à seringa.

Este meu avô foi à sua maneira também um aventureiro, casou três vezes e enviuvou igualmente três. Teve sete filhos, mas só a minha mãe sobreviveu a uma vida repleta de pobreza e mudanças. O avô Serafim chegou à Silveira em construção viuvo e com o desgosto de ter sobrevivido aos seis filhos que tivera. Mas a fibra dos Silvas bem representada no Teotónio veio ao de cima. Com quase cinquenta e oito anos voltou a casar com uma senhora de quarenta de Sabugal. A minha mãe nasceu desse casamento tardio.O avô Serafim tinha algo de poeta e pôs o nome à filha de Amada Luz. Sem dúvida fruto de um amor luminoso.

Apesar da diferença de idades a minha avó morreu antes do meu avô. Deixou a filha com dez anos. A adolescência da minha mãe foi passada a tomar conta do meu avô. Felizmente atingiu a maioridade na companhia do pai. Conseguiu logo um emprego nos correios e assim, quando ficou sozinha na vida, tinha um futuro assegurado.

Sei que a minha mãe teve vários namorados, pretendentes como antigamente se dizia. E se o seu nome estava ligado ao amor, também o seu destino estava. O romance dos meus pais é igualmente escandaloso para os padrões médios. Tenho muito orgulho dos meus pais e as minhas irmãs também. Apesar da solidão a minha mãe vivia feliz, não tinha inimigos, mas ao conhecer o meu pai a vida transformou-se. Quando conheceu? Não é bem assim. Quando o amor surgiu.

O meu pai, José Ventura Galhardo, mais conhecido por Ventura, viveu a infância e adolescência entre Sabugal e Silveira. O escândalo silveirense aparece porque a minha mãe é mais velha que o meu pai quase dez anos. Quando começaram a namorar o meu pai tinha acabado de fazer dezoito anos. O facto de trabalhar no Grand Groceries tão perto dos correios facilitou o surgimento da paixão dele. Começou a trabalhar com quinze anos e logo reparou naquela rapariga muito bonita que trabalhava nos correios. Na altura apareceu-lhe totalmente inacessível e por isso foi namoriscando. Viu uma oportunidade de aproximação namorando a irmã mais nova da poderosa Natércia Brigadeiro, a actual gerente do Fiona’s Boutique, chamada Custódia. A Natércia, que trabalhava como assistente à direcção da Boutique, era amiga de infância da minha mãe.

Para mal do casal Amada Ventura a Custódia desenvolveu uma paixão arrebatadora pelo namorado que o sufocava. Antes de se declarar à minha mãe o namoro com a Custódia tinha atingido a ruptura. Reconheço que o meu pai pode não ter tido a melhor atitude para com a namorada, mas se eu estivesse no seu lugar não sei o que faria. A Custódia fez a vida do meu pai um inferno quando ele rompeu e piorou muito mais quando se tornou publico o namoro com a minha mãe. A Natércia tomou as dores da irmã, como é natural, e usou todo o seu prestígio para prejudicar a ex-amiga.

Os meus pais foram em frente, desafiaram tudo e todos. A minha mãe acabou por ser obrigada a sair do emprego, não porque tenha havido pressão dos superiores, mas porque não havia ninguém, na altura, que quisesse tomar conta da minha irmã. Nenhuma ama aceitou a minha irmã e o único infantário opôs inúmeros obstáculos.

Espantoso é o facto de o meu pai ter conseguido chegar a gerente do Groceries. Ele, perante o concelho municipal, que gere a cidade, tem o mesmo estatuto da poderosa Natércia. Isto faz-me pensar que sendo o concelho maioritariamente masculino é mais fácil prejudicar uma mulher do que um homem.

Foi difícil, mas a minha irmã Isabel conseguiu entrar para os correios e a não ser que ela tentasse um trabalho tipicamente masculino ficaria sem possibilidades de se empregar. No primeiro dia de emprego dela, eu convenci os Espinhos Narcisos a fazer um brinde de cerveja à porta dos Young virados para o Fiona’s. Somos subversivos!

2 comentários:

  1. Eu, se alguém me usasse como degrau para chegar a outro destino, também ficaria chateada...

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  2. Com isto tudo, esqueci-me de lhe dar os parabéns pela interessante combinação de nomes.

    Lá voltarei para o próximo capítulo. Já lhe dei uma vista de olhos, mas terei que ler com mais calma ;)

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