sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

39 - Êxtase

A voz da Manuel Castro suou nos meus ouvidos enquanto deslizava como um fantasma pela casa às escuras.

- O álbum ágaetis byrjun catapultou o grupo para o estrelato internacional. Os Radiohead convidaram-nos para fazerem algumas primeiras partes dos seus concertos em Inglaterra. Conseguiram entrar no difícil mercado americano e actualmente estão entre as principais referências da música mundial. Em 2002 saí o terceiro álbum. Este disco tem várias particularidades que o tornam especial. Não tem título, usando-se normalmente dois parênteses que figuram na capa de plástico branco. Os oito temas também não têm título e a língua usada é vonlenska, hopelandic em inglês, algo como esperancês. O grupo já usaram em alguns temas dos discos anteriores esta espécie de língua, que não é mais do que sons articulados pelo vocalista para depois ocupar por palavras, mas no caso dos sigur rós resolveram usar essa técnica de composição como forma de expressão artística. Todo cd é branco e no livro que o acompanha não há nada escrito. Só folhas translúcidas com leves tingimentos fazendo lembrar ramos sem folhas. A ausência de palavras leva o ouvinte a poder preencher as músicas com palavras suas, as folhas brancas com poemas seus, os títulos com referências suas. Outra característica peculiar desta banda e que lhe dá uma áurea tão especial é o uso dado à guitarra. Jónsi toca a guitarra na maioria dos temas usando um arco de violoncelo, imprimindo ao instrumento uma sonoridade muito especial. Chamo a atenção para o seguinte tema, faixa número oito, do terceiro álbum.



Passei pela arrecadação de casa e na minha cabeça sentia tanto o dedilhar da guitarra como o tal som arrastado. O meu coração batia a mil. Trazia uma camisola com capuz. Coloquei-o e corri, procurando passar nos sítios mais escuros. Olhava para todos os lados, mas não via ninguém. Felizmente por estas bandas é usual haver nevoeiro de noite. Evitei passar pela Main e até pelo Point.

A música avança num crescendo sem pressa. A bateria é bastante interventiva. A voz adquire ao longo do tema um carácter novamente angélico. O baixo corre certo e imperioso. E a guitarra deixa o dedilhado para assumir a posição de orquestra. Quando a música atinge um ritmo energético e por fim explode eu sai do canto escuro, abro a lata de tinta azul, molho a trincha e escrevo:

para ti que me procuras
para ti que me desejas
aqui estou na calada da noite
acordei
agora procuro-te
agora desejo-te
quero ser o teu salvador
sabes onde me procurar

Nos meus ouvidos a banda estava num climax apoteótico. O baterista usava mil braços. A voz cortara profundamente pelo espaço, pelo tempo até ao transcendente. E a guitarra tangida pelo arco de violoncelo ecoava a melodia fazendo-a brotar não dos auscultadores, mas do coração. Ajoelhei-me diante da parede onde escrevera a minha mensagem em êxtase.

1 comentário:

  1. Mas que turbilhão de emoções e sentimentos! O nosso herói deixou-se levar pela incandescência interior ;) Precisou da música, mas resultou! Haleluia!

    Espero que a mensagem faça o seu efeito.

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