sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

35 – Da fama ao preconceito

Só quando me deitei é que voltei a pensar no poema escrito na parede e na quase certeza de ter sido para mim dirigido. Seria alucinação minha esta ideia de que a autora era a Joana? A resposta talvez tenha chegado, mas não esquecemos que pouco ou nada tinha dormido na noite passada. Realmente questionei-me, mas não tive tempo para mais nada. Dormi que nem uma pedra até à manhã seguinte.

A bem da verdade só voltei a pensar no assunto alguns dias depois. Na escola, tal como na cidade, só se falava das forasteiras. Devido ao relativo parentesco com a Clarissa, facto bem conhecido de todos pois a genealogia é como que um desporto nacional por aquelas bandas, fui abordado diversas vezes nos corredores da escola. Tinha começado a minha breve carreira de figura popular, normalmente reservada às Chearleaders e desportistas de topo. Devo dizer que não gostei, naquele momento apreciava muito mais a companhia dos Espinhos e se não o coração pelo menos a cabeça estava ocupada com a Joana para aproveitar o súbito interesse das mais bonitas raparigas da escola pela minha pessoa. Está claro que a feias também apareceram.

Quando o Mike percebeu que eu não estava nem aí para o mulherio que nos aparecia, veio questionar-me severamente.

- Man, o que estás a fazer? Está a chover-te gajas na soleira da porta e tu negas fogo! O que se passa? Não te viraste para o inimigo, pois não?

Eu fartei-me rir na cara dele.

- Estás com medo que queira roubar-te um beijo?

- Arrebento-te todo!

- Sempre pensei que fosse meu amigo, mas pronto, és um bronco. O que se há-de fazer?
Naquele momento apareceram os restantes Espinhos que quiseram saber porquê que eu estava a rir e o Mike tão transtornado. Respondi-lhes:

- Aqui o Mike, um homem às direitas, está assim porque pensa que eu, seu amigo de berço, sou gay. Só dá vontade de rir.

Por momentos pensei que todos pensassem o mesmo, pois ficaram com uma expressão estranha. De repente fiquei magoado. Como poderiam pensar uma coisa daquelas? Para mais sendo meus amigos, que me conheciam uns melhor do que outros, mas todos nos conhecíamos o suficiente. A Joana veio com uma frase que ajudou a situação, mas fez-me pensar muito:

- Só dá para rir se tu não sendo não tivesses nenhum problema em ser.
Tocou a campainha para a próxima aula. E ninguém mais falou. O que a Joana disse deu-me que pensar e muito. Eu estava indignado porque os meus amigos não me conheciam suficientemente ou porque pensavam que eu era gay? Se eu fosse, eles seriam à mesma meus amigos? Talvez as raparigas sim, mas e o Mike? E o Luís? E se fosse ao contrário, seria eu amigo de um gay?

O que foi dito naquela aula? Não sei dizer, levei o tempo todo a pensar naquilo. À saída procurei juntar os Espinhos num local isolado e disse-lhes:

- Estive a pensar este tempo todo e tenho algo para vos dizer. Se qualquer um de vocês fosse gay, eu continuaria a ser vosso amigo. Podemos até dizer piadas sobre o assunto, mas nunca quero esquecer, que apesar da possível confusão que nos faça à cabeça, todos somos pessoas e todos merecemos respeito. Os preconceitos são como gás sem cheiro, cerca-nos e não damos por eles. Mas isso não quer dizer que pensando bem no assunto não tenhamos uma opinião totalmente contrária ao preconceito. Por isso digo-vos que estou magoado, não por pensarem o quer que seja sobre mim, mas porque apesar da nossa amizade passariam a agir de outra forma.

As raparigas manifestaram-se logo dizendo que pouco lhes importaria se eu fosse gay ou não. O Luís e o Mike ficaram mais tempo calados, mas acabaram por agradecer o meu exemplo e disseram que também pouco lhes importava o que é que fosse. No caminho para casa, ainda todos juntos, o Mike saiu-se com a seguinte frase:

- Tudo bem, não seriamos amigos se não aceitássemos as opções dos outros, mas acabaram-se os banhos nus no rio Fiona.

Após rir-se na minha cara, deu-me um grande abraço e foi moendo-me o juízo até casa.

1 comentário:

  1. "e se não o coração pelo menos a cabeça estava ocupada com a Joana" - ai, ai, será que a coitada está apaixonada em vão?

    Bem, pelo menos o nosso herói não tem preconceitos contra os gay :)

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