terça-feira, 18 de janeiro de 2011

36 – A Descoberta da Madrugada

O pessoal que foi adolescente nos anos oitenta de século vinte teve uma experiência que nós agora não temos. Experimentaram as emoções de só haver dois canais de televisão e de todos consumirem novela brasileiras com fervor. É de uma delas que eles aprenderam a respeitar a noite de quinta para sexta-feira, sobretudo se for de lua cheia. É nesse dia que a transformação do lobisomem é mais espectacular.

Ora foi naquela noite de quinta para sexta que eu me transformei num rebelde serigador de paredes. Nome este aplicado pelo director do Liceu numa comunicação à escola que foi lida nas primeiras aulas da manhã e da tarde, para além de ficar exposta em todos os placardes. Mas voltemos à noite e veremos o quão injusto foi o director.

Foi naquela quinta-feira que sucedeu o narrado no capítulo anterior. Apesar do ambiente mais descontraído estava numa disposição esquisita para meditar, pensar na vida. Mau sinal. O trabalho na rádio correra bem, sem episódios dignos de registo e fui para casa. Quando ia a passar pelo Point lembrei-me do poema. Passei por lá de propósito, mas o meu pai já tinha pintado por cima e aproveitara e limpara a cara à loja. Pensei se aquela história ficaria por ali. Os primeiros versos também já tinham sido apagados. Toda a gente só falava da Clarissa e da tia. E, está claro, do silêncio do Concelho Municipal sobre o assunto.

Mal cheguei a casa, fui deitar-me e até adormeci bem, mas foi sono de pouca duração. À uma e meia acordei com um sonho em que toda Silveira tinha sido abandonada e demolida só sobrando a casa do Teotónio e a rádio. A tia da Clarissa estava de robe a correr comigo de vassoura da rádio, onde agora vivia. Do lado de fora estava a Joana à minha espera dizendo: “Só podes rir se não fores gay”. Acordei com o eco de uma gargalhada nos meus ouvidos.

E depois para dormir? Para onde fora o sono? Virei-me para um lado, virei-me para o outro. Estava frio, mas a cama estava quente demais. Desisti de tentar adormecer e fiquei pensando coisas soltas até chegar aos poemas e à desconfiança sobre a sua autora. Havia uma rapariga que gostava de um rapaz, que ignorava esse amor. Seria mesmo a Joana? Queria eu que fosse ela? Ó, sim, queria.

Satisfeito com a resposta ao menos a uma pergunta resolvi ligar o rádio. Àquela hora devia ser o próprio Manuel Castro a fazer a emissão. Como dono, podia deitar-se quase de manhã e dormir durante a manhã, onde a responsabilidade era do Concelho.

O Manuel Castro é um apaixonado pelo mundo da rádio e também por música. Ele é o principal divulgador do que de moderno se faz para lá do rio Sado. E por vezes nas madrugadas ele lança novos autores e estilos mais alternativos, que de outra forma nunca seriam escutados na Silveira.

Eram duas da manhã e ouço o gingle do programa “A Descoberta da Madrugada”. Ok, o Manuel pode ser um grande radialista, mas como autor de títulos de programas tem muito para aprender.

1 comentário:

  1. OK, ele está apaixonado pela menina (conseguiu admitir, viva). Agora, vamos ver se a menina também... Ora bem.

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