sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

37 – Uma voz na madrugada puxa por mim

(Nota prévia: Aconselho a pôr a música à medida que vai lendo o texto
e esperar que acabe para ouvir a música seguinte.
Assim desfrutará de toda a experiência)



O que foi que ouvi? Uma simples melodia de piano, que depois foi crescendo, com o acrescento de mais instrumentos, até aparecer uma voz que tive dificuldade em identificar se era de homem ou de mulher. Não era só uma, havia outra também, ambas parecidas. O que dizia? Não sei. Nunca tinha ouvido semelhante falar. De repente acalmou e suou a palavra hopipola. Gostei da palavra. A música deu-me alegria e conforto. E os instrumentos de sopro entraram, a voz tornou-se mais aguda. Escutei com atenção. O meu coração batia com força. Imaginei-me cantando aquilo para a Joana, estando eu de um lado do rio Fiona e ela do outro. Mas que bela música para se ouvir às duas da manhã. Tive que baixar o som do rádio para ninguém na casa acordar.

A música desvaneceu-se e a voz profunda do Manuel Castro murmurou enquanto a melodia voltava:



Sorrindo
Girando numa roda viva
De mão dada
O mundo numa mancha
Mas tu estás parado

Molhado
Completamente encharcado
Sem botas de borracha
Correndo em nós
Quer sair da casca

Venta
E lá fora cheira ao teu cabelo
Eu bato o mais rápido que posso
Com o meu nariz

Patinhando nas poças
Completamente encharcado
Molhado
Descalço

E sangro do nariz
Mas levanto-me sempre
(esperancês)

E sangro do nariz
Mas levanto-me sempre
(esperancês)

- Assim canta o Jónsi dos Sigur Rós, banda islandesa posta a descoberto esta madrugada. O tema que acabaram de escutar chama-se Hoppípolla, Patinhando, numa tradução minha do inglês, tal como os vários poemas que apresentarei. O tema que estão a ouvir em fundo chama-se em português “Estou a sangrar do nariz” e é obviamente uma variação sobre um tema de Hoppípolla. Este dois temas estão presentes no mais recente disco dos Sigur Rós, Takk, Obrigado em português. Mas comecemos a nossa descoberta pelo primeiro disco, de seu nome Von, Esperança, com a faixa três, cujo o nome acho impronunciável, mas deixo a tradução: Terra Mãe.




O som desta música era totalmente diferente. Era sujo. Havia distorção, a bateria não se ouvia. Vieram as vozes, ainda mais femininas. Prenderam a minha atenção, havia uma expectativa, algo por acontecer. Deixei-me levar pela música. Agora parecia mais com música rock e no entanto havia algo de angelical. Talvez por causa das vozes. A melodia.

Tive que baixar mais um pouco o som. A bateria surgiu em rajadas, a distorção subira. Havia ritmo, melodia e mistério. Senti uma energia nova em mim. Queira fazer algo extraordinário, espectacular. Entrou uma voz masculina também distorcida. Era uma catarse, vagas após vagas de aquela melodia que me impelia para agir. Tinham apagado as tuas palavras, Joana. Querem apagar o que sentes. Na música uma calma tensão. Risos lá longe. Senti-me magoado, por ela, por ti Joana, não serás esquecida.

Dou um salto na cama com o grito distorcido que irrompe do rádio. Tenho que fazer alguma coisa. A banda está no máximo, a voz distorcida grita depois de rir, o mundo todo agoniza em dor. O mundo todo? Ou a verdade que está para ver a luz do dia? São as contracções do parto. Vagas do mar, fluxo e refluxo. Agora ele grita, mas a música volta para trás. E termina.

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