terça-feira, 25 de janeiro de 2011

38 – Sigur Rós



A música seguinte não teve apresentação. E eu estava despertadíssimo. Guitarras sem distorção, bateria presente e as vozes. O Manuel falara de uma voz, mas eu ouvia várias. Seria homem? Seria mulher?

Estava com vontade de fazer alguma coisa. Mas o quê? Pensava na Joana, como estaria sabendo que as suas palavras estavam apagadas, que não obtivera resposta.

O rádio ficou em silêncio. E a voz do Manuel após uns breves segundos disse:

- Acabámos de ouvir três temas do primeiro disco dos Sigur Rós. – Eu só notara dois – O primeiro Terra Mãe é uma transposição do Pai Nosso cristão para uma fé panteísta ou da Deusa Mãe. O segundo tema chama-se Myrkur, em português Escuridão, e fala genericamente dos primeiros vislumbres da alvorada. O silêncio escutado depois chama-se “18 segundos antes do nascer do Sol”. O Sol, a esperança, nascem do mar e da terra.

‘Sigur Rós, o nome da banda, é igualmente o nome da irmã de Jónsi o vocalista e guitarrista da banda, que podemos traduzir por Rosa da Vitória e que nasceu no mesmo dia em que nasceu a banda, em Agosto de 1994. Lançaram o primeiro álbum, Von, em 1997. No ano seguinte sai um álbum de remisturas onde aparecem alguns dos nomes mais famosos da pop islandesa, entre eles Gus Gus. Em 1999 sai o aclamado segundo disco de originais, ágaetis byrjun, “um bom começo”, do qual estamos a ouvi os primeiros acordes da segunda faixa. Chama-se algo parecido com svefn-g-englar, sonâmbulos.


Esta música começava muito calma, como que vindo de longe. Será por saber que eles vêm da terra do gelo, mas visualizo um mar largo, gelo e uma aragem gélida. Que som é aquele, grave, profundo, arrastado?

A voz vem sozinha, límpida. Tranquilidade. Ao fim de algum tempo ouço tioowoohoo entoado por aquela voz imaterial, irreal. Aquele grito rasga os espaços, passa cortante pela crista das ondas, como um relâmpago rasgando as nuvens. Após vários gritos atinge um climax e depois recomeça a busca. Como um espírito de cristal procurando a sua alma gémea ele voga, vai para outras paragens. Volta a entoar tioowoohoo e parte para longe, só se escutam sons marítimos e depois a voz do Manuel:

Aqui estou de novo
Dentro de ti
É tão bom estar aqui
Mas não posso me demorar
Eu flutuo errante numa hibernação líquida
Num hotel nutritivo, num quadro eléctrico
Tyoowoohoo
Mas a espera incomoda-me, não quero saber da fragilidade
E grito, “Tenho que ir”, socorro
Tyoowoohoo
Arrebento e a paz desaparece
Banhado numa luz nova
Eu choro e choro, desligado
Um insólito cérebro veste-se de seios
E é alimentado por sonâmbulos

Após uns breves batimentos entra outra música e o locutor diz:

- De seguida, a quarta faixa, O Salvador das Moscas, flugufrelsarinn.



Os sonâmbulos transportaram-me para mais perto da Joana, já sabia de algo para lhe dizer. Durante este Salvador das Moscas ganhei coragem. Levantei-me e vesti-me à pressa. Sim, tinha uma urgência de fazer algo, pressa para não deixar morrer o impulso e pensar melhor.

A voz parecia-me magoada, mais próxima do humano, que as anteriores. Salvador das moscas. Quem quer ter esse papel? A voz diz-me que tem um papel na vida que não escolheu e por isso é herói. Alguém que se preocupa com o que os outros não se preocupam. Um herói. Joana, vou ser o teu herói. Como a voz da música quero abrir os meus pulmões e dizer “não estás ignota”, “o que te leva a esconderes-me o teu coração?”, “vem, protejo-te”. Senti uma emoção nova a bloquear-me a garganta. Peguei no rádio portátil e nos auscultadores e saí cautelosamente para a noite.

3 comentários:

  1. Sim, será melhor levar o rádio e os auscultadores, senão ainda perde a coragem...

    Caro Jota, não ouvi a música (falta de tempo), mas pode ser que ainda o faça. De qualquer maneira, textos cheios de emoção, a música como veículo para entrar em contacto com os sentimentos... Bonito. Deixe-se levar mais vezes, inspire-se e actue de acordo com os sentimentos...

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  2. Obrigado, a música é uma parte importante da minha vida. Não sei tocar nenhum instrumento... ainda, mas gosto muito de ouvir. Quando estou a escrever é normal ouvir música.

    Quando escrevi estes capítulos o objectivo era para livro e actualmente ainda não é fácil introduzir música numa certa parte como fiz aqui. Vamos ver o que o futuro dirá, se leitores de e-books se desenvolverem...

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  3. Olha, era uma boa ideia, ligar a literatura à música. Talvez a melhor ideia que já ouvi/li em relação aos e-books... :)

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