terça-feira, 5 de outubro de 2010

6 - Fiona

O rio merece uma certa atenção. Sem dúvida que tenho que louvar a coragem e engenho do nosso Teotónio. O rio não existia quando comprou os terrenos. Nem mesmo um ribeiro. Nada. Mas isso não o impediu de prosseguir o seu sonho. Mais a norte há uma ribeira afluente do rio Sado. Numa zona de vários montes foi construída uma barragem. Também construi-se um canal que vai buscar água a essa ribeira. Vai buscar tanta que o caudal da ribeira vai todo para a barragem e ainda vem água do Sado, mercê de umas obras engenhosas de desnivelamento o leito da ribeira a fim receber a água sadina. Portanto o nosso rio tem esta origem. A barragem serve para normalizar o caudal do rio. Isto a montante, a jusante, também entre montes, há mais uma barragem que permite que o rio tenha um caudal abundante. A água passando por essa barragem segue por um outro canal até ao Sado. Para além do nivelamento e manutenção do rio, as barragens também servem para gerar energia eléctrica.

O rio é algo sinuoso, como convém, mas permite haver uma praia e um espaço para praticar remo, para além de canoagem logo à saída da barragem norte. Houve em tempos uma discussão sobre a necessidade ou não de piscinas. O rio venceu.

Outro facto curioso relacionado com o rio é o seu nome: Fiona. Sim, o nosso rio tem um nome feminino. Houve grande celeuma nos primórdios da cidade. Obviamente que o Teotónio quis perpetuar em Silveira o nome da sua amada e também, a bem da verdade, a grande, quiçá principal, responsável, mesmo que indirectamente, pela existência desta cidade. Pois foi com o dinheiro que ela deixou como herança que isto tudo foi construído. Já que não foi dado o nome dela à própria cidade, ninguém conseguiu demover o Teotónio de baptizar o nosso rio com o nome da sua amada. As vozes machistas, que afirmavam ser inadmissível um rio, palavra masculina, ter um nome feminino, foram logo caladas com o nome do rio Guadiana.

Fiona teve uma existência conturbada no início. Então não é que a cidade dirigiu os esgotos todos para o rio (curiosa imagem para um rio com um nome tão significativo). Obviamente que rapidamente repararam que o belo rio que tinham à porta não era mais do que um feio esgoto. Feio e mal cheiroso, suponho eu. Grandes discussões no salão nobre da Câmara, nos restaurantes e pubs (em Silveira não há cafés como no resto do pais, americanices). Muito debate houve nesta cidade, curiosamente no tempo em que no país não havia debate e se alguém quisesse era preso. A clandestinidade tem as suas vantagens.

Como não havia solução alternativa, a cidade teve que criar um sistema de tratamento de esgotos. Não, não os enviaram para a foz do rio Fiona, não havia garantias que a poluição não fosse entrar na nascente, visto que o rio Sado corre de sul para norte. Eu sorrio sempre ao pensar nisso. O sistema foi do mais moderno para a altura e actualmente continua a ser dos mais avançados do mundo. Temos cinquenta anos de experiência.

A água consumida na cidade é obviamente do rio Fiona, devidamente tratada, logo extraída da barragem norte. Porão alguma coisa nela para agarrar os silveirenses ao doce remanso da terra natal? Isso não sei.

1 comentário:

  1. "A clandestinidade tem as suas vantagens" - uau, em Silveira não houve ditadura nem salazarismo! O melhor mesmo é continuar clandestina, se não o Partido Comunista aproveita-se logo dela, fazendo dos seus habitantes heróis resistentes ;)

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