terça-feira, 1 de março de 2011

48 – Quando o caçador passa a presa

A improvável entrada da poderosa Natércia Brigadeiro no Grand Groceries do meu pai tinha por objectivo óbvio a aproximação à forasteira.

- Ora bem, Ventura, onde está a nossa ilustre visita? – A primeira dama silveirense não usa tantos artifícios linguísticos como o marido, mas consegue ser irritante. Aquele bronzeado de solário, o cabelo louro esticadíssimo que grita aos sete ventos por falsidade, os gestos afectados, a pose de aristocrata. Uma irritante tia.

Os cinco cercámos a pobre Clarissa esquecidos da convivência dela com a própria tia. Entre uma e outra venha o diabo e escolha. O meu pai não precisou de dizer onde ela estava.

- Ah, está aí minha querida. – Aproximou-se de nós como se fossemos de vidro. Fez a apresentação formal de si e da filha. Para nosso espanto a Clarissa passou por mim, que continuava como ponta de lança, e foi cumprimentá-las na face só com um beijo, mal se tocando. – Sabe Clarissa, minha querida, achei que iria precisar de uma companhia para a sua estadia por cá. Por isso fiz questão de lhe apresentar a minha Bella. Certamente terão muito em comum.

- Muito obrigada – disse a Clarissa tão afectada como a toda poderosa First Lady – certamente que teremos.

Na minha cabeça surgiu a portuguesíssima expressão “yeah, right!”. A Bella apesar de saber representar bem o seu papel, por vezes pareceu-me estar tão enfastiada como nós, mas por motivos contrários.

- Perfeito. – Continuou a Natércia. – Minha Querida, a Bella está à disposição sempre que precisares.

- Vou dar-lhe os meus números de contacto. – Pela primeira vez assistimos à cheerleader a articular uma frase completa em muito tempo. Ela não gasta o seu preciso latim com gentinha da nossa laia.

Silveira tem um sistema de tratamento de águas pioneiro no mundo. Tem um sistema de ensino bastante bom, há que reconhecer. Tem qualidade de vida invejáveis, mas não aderiu aos telemóveis. Somos felizes com a nossa vidinha simples da década de cinquenta americana. Por isso o cartão de apresentação da Bella B tem vários números de telefone: o de casa, o da Fiona’s Boutique, o da escola, o da Young’s e uns quantos mais dos vários poisos da jovem cheerleader. Quem quiser falar com ela terá que ir tentando até a encontrar.

A Clarissa mostrou-se surpreendida, talvez confusa, mas disfarçou fingindo interesse pelo conteúdo do cartão. Mais tarde acabaria por perceber quando lhe explicámos. Mais uma vez agradeceu à jovem tão loura como a progenitora e falsa também.

Não houve oportunidade para maiores diálogos, porque o veículo chegou e com ele um aumento da confusão. Várias pessoas entraram na loja. A Joana pegou no braço da Clarissa e arrastou-a para o fundo da loja, levando-a para as traseiras. Nós percebemos a ideia e começámos a andar de um lado para o outro. A confusão cresceu. O Mike sempre pronto para socorrer uma cheerleader em apuros passou o braço por cima dos seus delicados ombros e levou-a para a rua, afastando toda a gente que aparecia em frente. Chegaram ao carro e sem rodeios largou-a lá dentro. Com o descontrolo da confusão, várias pessoas chamavam e procuravam a neta do Sr. Teotónio, assim que o Mike fechou a porta o carro arrancou com estrépito. Não foi a toda a velocidade, mas o suficiente para atrair muita gente deixando campo para os Espinhos fugirem pelas traseiras com a verdadeira neta do fundador da cidade. Quando o motorista se apercebeu da identidade da histérica passageira já nós estávamos bem longe a chorar de tanto rir.

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