Olhas para mim, mas nunca me vês
à distância estão nossos corações.
Não me verias mesmo que fosse três
ou por ti chamasse a plenos pulmões.
Sofro perdida de amores, que louca,
minha pele ferve quando me tocas,
anseio pelos beijos dessa tua boca,
aspiro cega o ar que tu deslocas.
Porquê que não reparas em mim?
Logo de manhã a cidade de Silveira acordou com mais um poema pintado, desta vez no asfalto da estrada. Mais concretamente no cruzamento da Teotónio da Silva Street com a Ford Street (homenagem à fábrica de automóveis onde o venerável Teotónio iniciou a sua ascensão à imortalidade corporizada nesta cidade). Perto deste cruzamento está a casa do senhor Peninha. Pela Ford passamos da Teotónio da Silva para a rua onde vivo, a Sado Street.
Quando vim da rádio não passei por ali e por isso não vi o poema escrito a tinta branca no meio do cruzamento. Assim que soube fui lá ver. Já estavam a lavar o chão. O xerife estava com cara de poucos amigos e todos os importantes da cidade, que por ali circulavam, faziam-lhe companhia no aspecto do rosto.
Quem me contara do poema foi o Mike. Ele vira-o na companhia do Luís ao regressarem da casa do Dr. Capuchinho. Deviam ser umas dez e meia, onze horas. Deram logo conta do atentado (expressão das autoridades), pois estava escrito de forma a ser lido por quem caminhasse em direcção do cruzamento. O Luís escreveu uma cópia do poema para nós lermos. Se não o fizesse o mais certo era não chegarmos a lê-lo.
No regresso de ter ido ver o chão a ser lavado fui pensando no que o poema significava. Se a Joana o escreveu, porquê ali? Ela viu-me sair da casa do avô, como é que queria que o lesse? Algo não batia certo.
- Beto, porquê que foste ver o cruzamento? – Disse o Mike sentado no alpendre onde eu o deixara. – Já leste o poema, querias confirmar se o copiámos bem?
- Não sei. Foi algo do género de ir ver um jogo ao campo em vez de o ver na televisão.
- Man, desde o último grafitti que estás estranho.
- E tu já nasceste estranho. O que achaste deste poema?
- É diferente dos outros. Talvez seja de outra pessoa. Há muita gaja carente por aí. Eu não dou para todas. – Ri-se e aponta para mim. – Tu tens que mostrar mais empenho.
- Yeah e o Luís também. – Às vezes dizemos coisas destas para despistar o interlocutor, eu só queria consolar a minha Joaninha.
- Nã, o Luís já está apanhado... – Havia uma certa amargura na sua voz.
- O Luís? Reatou com a namorada?
- Nã... Ele ficou apanhadinho pela priminha.
- Priminha? Qual?
- A tua.
- Minha?
- A Clarissa. Dah!? Está lento hoje.
- A Clarissa? Ele? – Sim, agora reparava, eles tinham estado juntos bastante tempo. – Estou a ver...
- Vê-se. Hoje estás mesmo... Eu bem que queria variar um pouco, às vezes as silveirenses cansam-me, mas o Luís não a largou nem um pouco. Tive que sair ao mesmo tempo que ele, porque o Capuchinho queria deitar-se.
- E ela? Achas que está na dele?
- Yeah. – Voz triste. – Parece que sim.
- Mike, o Luís tem o direito de arranjar alguém, não tem? E ela também não mostrou nenhum interesse especial em ti... por isso, para quê estares triste? Move foward, man.
- Yeah, there’s plenty of girls in the world. – Disse ele com sotaque à cowboy exagerando no a aberto do girls. Rimo-nos.
Pois, mantém-se o mistério. Talvez haja realmente mais do que uma pessoa a escrever os poemas, alguém que achou aquilo boa ideia e resolveu fazer o mesmo, para ajudar à confusão.
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