sexta-feira, 4 de março de 2011

49 - Os receios de Clarissa

Como já era de noite foi fácil chegarmos à Teotónio da Silva Street sem que nos vissem. Enquanto riamo-nos conforme as nossas personalidades, a dona Maria avisava o meu pai e o Xerife da nossa localização. A Joana ofegante à chegada ainda tivera o auto-controlo suficiente para explicar a situação à governanta do avô.

Na sala o cenário era o seguinte: eu e o Mike num sofá a chorar a rir, à nossa frente a Joana e a Vanessa agarradas uma à outra, o Luís ria muito com a Clarissa contagiada pela gargalhada geral, mas algo receosa, no sofá que formava outra parte do quadrado. Sempre que ela tentava convocar a sua preocupação com a situação o nosso riso levava-a atrás.

Ao fim de algum tempo lá nos acalmámos. O Luís assegurava à Clarissa que a nossa fuga não iria ter consequências maiores. Ela levantou objecções, as autoridades tinham sido convocadas. O Luís, e nós com ele, disse que a autoridade pouco ou nada têm para fazer, que ser xerife ou delgado era a melhor profissão da cidade. Há quanto tempo eles não tinham uma alteração da ordem pública? Se bem me lembro, tirando a chegada das forasteiras no domingo passado, foi há quase dois anos quando dois irmãos na noite de Thankgivings abusaram da bebida e andaram pela cidade a cumprimentar toda a gente. Ao fim de algum tempo reagiram mal a alguns cumprimentos menos amistosos e gerou-se reboliço, que fez encher a prisão. Doze detenções, oito alcoolizados e quatro ligeiramente feridos.

O trabalho da nossa polícia é o pedagógico. Vão muito à escola ensinar-nos civismo e cidadania. Anda pelas ruas à noite para encaminhar alguém com um copinho a mais. Vigiam as nossas “fronteiras”. Mantém a ordem nas tarde e noites de animação no Hide Park e nos diversos acontecimentos desportivos, sobretudo ao ar livre.

O Luis explicou isto tudo à Clarissa, nós corroborámos e por vezes ríamos sobre um ou outro episódio. Ela estava preocupada com a reacção da Natércia. Pelo que nós tínhamos contado, ela parecia ser poderosa e não era conveniente para nós afrontá-la. Eu disse:

- Prima, os meus pais estão queimados para ela há bué. – Sim o calão português também chegou cá. – O meu pai largou a irmã dela pela minha mãe. Parece que foi um escândalo na altura. Por isso não há crise...

- Clarissa – disse a Joana – eu sou neta do único fundador vivo, como sabes, mas as relações entre o meu pai e o meu avô estão longe de serem amistosas. Com a tua vinda é que houve uma pequena aproximação, mas não nos iludamos.

- Eu – disse o Mike – sou um zé-ninguém para os poderosos da terra. O meu pai trabalha na barragem norte e a minha mãe em casa. Eu sou conhecido, mas os meus pais não. Por isso...

- Eu talvez tenha problemas – disse a Vanessa subitamente mais séria – a minha mãe tem a triste fixação de nos fazer ascender na escala social, mas não faz mal. Interesseira como é, verá que fiz muito bem aliar-me a ti.

- Obrigada pelo vosso apoio. Eu não quero que sejam prejudicados por minha causa.

Todos sorrimos. O Luís era o único menos sorridente. Olhava para ela com ternura. Percebi que a namorada de Sabugal do Sado passara definitivamente à história.

- E tu, Luís, - disse a Clarissa que talvez tenha reparado que o rapaz não dissera nada – vais ter problemas?

- Eu? – sorriu e pareceu crescer quando a encarou de frente – O meu pai é um poderoso produtor de arroz, talvez mais rico que todos os poderosos juntos da cidade. Se algum de nós ou das famílias for prejudicado, o meu pai terá todo o gosto em ajudar. Nós de todos os silveirenses, somo os menos americanizados.

1 comentário:

  1. Bem, a Clarissa parece já estar integrada nos Espinhos. E ela é que é a herdeira, não a tia. Que não se deixe levar...

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