sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

47 – Variações sobre a palavra popular

Enquanto aguardávamos, a raparigas deram uma volta pela loja a avaliar preços e essa coisas que elas fazem nas lojas. Nós, os rapazes, ficámos perto da porta para o armazém meio amuados por causa dos ralhos dos responsáveis adultos da Silveira.

As forças da autoridade estava a conseguir dispersar alguns populares. Acho piada quando os órgãos de informação (mesmo vivendo em clandestinidade ainda temos acesso a alguns) chamam populares a um aglomerado de anónimos cidadãos. São populares porquê? Porque são famosos entre os seus pares? E se for um conjunto de arruaceiros, mas que por alguma razão não estão identificados como tal, continuam populares? Mesmo sem nenhuma popularidade? Fora de conjecturas engraçadinhas, os populares neste sentido devem ser as peças constituintes do colectivo: população. A população é composta por populares. Estarei certo?

Como avancei, alguns populares, e por isso não arruaceiros, soldadores, advogados ou impopulares, foram à sua vida por sugestão das autoridades, que conforme o nosso ponto de vista podiam ser ou não populares. Para quem estava na Groceries a sua popularidade subiu apesar do ralhete do Xerife (e do delegado). Para os populares a popularidade das autoridades estava em baixa. Assim se vê que a popularidade é uma das coisas mais relativas da sociedade. Que o digam os políticos mundo fora.

Já na nossa sociedade silveirense a popularidade da pessoa que acabou de entrar na loja está sempre em alta. Se estava lá fora, teria sido duplamente popular, mas só enquanto ninguém sabia que estava lá, anonimato oblige. O mais certo é a dona Natércia Brigadeiro ter vindo directamente do Fiona’s Boutique sem abrandar a sua passada arrogantemente popular por entre a populaça. Quando na presença de alguém de maior nível na hierarquia da sociedade a população passa a populaça. E se a população se agita por comoção, raiva, fome ou natural bestialidade, a populaça passa a turba e os populares mais activos a arruaceiros.

A popular Natércia entrou pela primeira vez em anos na Groceries, cujo gerente rejeitara a irmã mais nova por uma popular impopular na sequência dessa relação. Logo atrás dela vinha a filha, chefe das cheerleaders, louríssima falsa de sua graça Bella B de Elisabeth Brigadeiro. A lei portuguesa não permitia nomes estrangeiros nos filhos dos nacionais, por isso a boa da Natércia voou para os states a fim de lá parir os filhotes: Steve, Bella e Douglas. O João, e mais novo dos quatro, que devia ser Joseph, nasceu de sete meses e os pais nem conseguiram chegar a Badajoz.

O Steve, sabe-se lá como, está em Harvard, mas consta no submundo, que só no terceiro ano no exterior é que frequenta as aulas daquela localidade. Ao que parece o Harvard dele nos primeiros dois anos situou-se misteriosamente em Miami. O que é certo é que na férias vinha bem bronzeado. Neste ano lectivo os pais têm um encontro marcado todas as noites em frente à webcam para darem as boas noites ao filhote e logo cedo, lá em Harvard, falam outra vez, ora o pai, ora a mãe. Sabe-se disto porque o Jo é ainda inocente, desbocado e contou tudo na escola, na sala de aulas onde, por coincidência, está a Susana, a irmã do Mike.

Toda a Família é popular em Silveira, quase nunca por bons motivos, como por exemplo: serem boas pessoas. São populares por serem poderosos ou assim se apresentarem.

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