sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

45 – As escolhas de Clarissa

Foi um lauto lanche. Bolo de chocolate com nozes. Bolos secos sortidos. Bolachas recheadas. Tostas para barrar compotas ou mel. Gostei particularmente de um doce de mel com noz e um leve toque de canela, que por coincidência não era o preferido da Joana, mais adepta de marmelada. O meu doce: divinal! Para beber havia café, leite com chocolate ou simples, sumos diversos e água. O Mike e o Luís ainda tentaram convencer a dona Maria a servir algo alcoólico, mas a recusa foi sempre firme. Ainda argumentaram que em casa bebiam (no caso do Mike é falso) e receberam como resposta a constatação da evidência de que não estavam lá.

Quando a governanta foi servir a tia Bernarda, nós ainda estávamos no inicio do lanche. Conversámos com bonomia, apresentando-nos mais completamente.

A Clarissa parecia ser tímida por natureza, mesmo à vontade connosco era reservada. Contou-nos que estudou neste ano e meio, de tutela da tia, num colégio interno. Antes tinha tido uma existência feliz. Palavras dela. Mesmo depois da morte do pai em pequena. Ela e a mãe tinham uma vida calma e singela. Até há pouco tempo quase nada soubera do seu passado familiar, sobretudo do lado materno. Sabia que o avô tinha uma grande diferença de idade com a avó e que a mãe crescera praticamente só com aquela. Tudo o resto passara ao lado das histórias de família da Clarissa. Com a morte inesperada e súbita da filha do Sr. Teotónio o segredo ficou desprotegido porque ela era muito nova para o carregar ainda. Nestes últimos tempos teve que crescer à força.
Tivemos pudor em perguntar sobre as causas das mortes dos pais e avó. Todos partiram muito novos.

Quando as nossa pupilas gustativas estão a nadar em doçura, o estado de espírito tende a ficar mais leve e a conversa acabou por se centrar na nossa vida de cidadãos de clandestina cidade chamada Silveira. Explicámos-lhe como a sociedade juvenil está organizada, qual o nosso lugar nela. A Vanessa lançou um tema interessante:

- Clarissa, vais estudar cá?

- Não sei. É curioso perguntares isso, eu não sei quanto tempo a tia pensa ficar. Achava que seria uma estadia rápida, mas desconfio que vou ficar por cá algum tempo.

- Se ficares, vais acabar por estudar na nossa escola.

- Achas?

- Sim. O Conselho Municipal não iria permitir que a neta do fundador da cidade não progrida nos seus estudos.

- Aqui na cidade – acrescentou a Joana – todos completam o secundário, mesmo o pessoal da zona mais pobre.

- Não sei como ficou a minha situação no colégio.

- Tudo se resolve, fica descansada. – disse a Vanessa – Estamos clandestinos há tempo suficiente para resolver tudo isso. Agora surge outra questão. Se vais estudar cá, em que grupo deverás ingressar? Por razões óbvias, acho que serás do grupo dominante...

- Nem pensar. - disse o Mike – Ela não poderá dos bem. Eles são asquerosos.

- Os aspirantes também não são melhores. – Respondeu a Joana defendendo o grupo onde crescera. – Se é para pertencer a algum grupo, deverá ser ao nosso.

Todos concordámos e nem foi preciso eu ou Luís propormos a indiferença ou a neutralidade.

- Obrigada. Eu estava a pensar nessa solução. Gosto de vocês e não quero ser o centro das atenções.

- Olha que isso deverá ser um pouco difícil. – Disse eu.

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