terça-feira, 31 de maio de 2011

74 – O verdadeiro rosto

Eu não sabia o que pensar. Afinal porquê que estava a haver aquela discussão? O Mike olhava intensamente para a Vanessa que parecia acossada. A Clarissa parecia desorientada quando falou:

- A tia não sabe se a reunião na Câmara é sobre mim ou sobre os graffitis.

- Ora, minha querida. Vivemos em que mundo? Mesmo que este sítio seja... digamos... peculiar, mesmo assim o que é verdadeiramente importante, é tratado com a devida importância. Rabiscos numa parede são o que há mais.

- Não aqui. Nesta cidade isso é invulgar e se há uma insinuação sobre o Mayor, mais ainda.

- Querida, tenho quase a certeza que o motivo da reunião é sobre a menina.

- Mas como é que pode ter a certeza? – A Clarissa dava sinais de impaciência e desespero.

- Tenho razões para isso.

- E não vai dizê-las?

- Não nos precipitemos... – A tia encaminhou-se para a porta com um andar arrastado. Visivelmente estava a apreciar o momento.

O Mike desviou o olhar da Vanessa para a tia da Clarissa e perguntou:

- De onde lhe vem a certeza que de que a Clarissa é neta do Sr. Teotónio?

Ela olhou-o de alto a baixo, avaliando-o e com um ar displicente respondeu:

- O menino está a par dos documentos apresentados?

- Sim.

- E ainda tem dúvidas?

- Para mim tanto me faz. – Encolheu os ombros.

- Sabe minha querida – virou-se para a sobrinha – devia ter escolhido melhor as suas amizades. Nesta... nesta localidade só tenho visto gente alienada, como aí o rapaz, ou alucinada, como a mãe ai dessa menina. – Indicou com o queixo a Vanessa. Caminhou para a porta, abriu-a e voltou-se olhando para cada um de nós. – Já que a menina foi afectada pela falta de inteligência das pessoas desta coisa chamada Silveira, lembro-lhe que provavelmente a reunião foi marcada assim de repente porque chegaram os resultados da análise ao ADN da menina.

- Já?

- Querida, foi na segunda-feira passada. Estou certa que o Dr. Capuchinho deve ter mexido os seus cordelinhos para despachar a análise.

- Já fizeste a análise ao ADN? – A voz da Vanessa recuperara alguma da humanidade. – Porquê que não nos disseste?

- Ah, a menina não contou aos seus amiguinhos? – Mais uma expressão falsa da tia, que me meteu nojo.

A Clarissa não sabia o que dizer. Encarava ora a Vanessa ora cada um de nós. Estava verdadeiramente perdida, sem norte. Não sei o que sentir perante esta revelação. Será motivo de aborrecimento não nos ter contado que já tinha feito a análise? Para uns talvez fosse grave, para outros nem por isso. Afinal essa era uma das coisas faladas há oito dias.

A Clarissa passou as mãos pela cara, subindo à testa e alisando o cabelo até à nuca. Pôs as mãos nas ancas e baixou a cabeça.

- Não acha que levaria mais tempo?

- E se a menina fosse ver o documento que ficou em seu poder? Lá deve dizer.

Uma luz, que só posso interpretar de esperança iluminou o rosto da priminha. Saiu da sala a correr. Ouviram-se os passos de corrida escada a cima. A tia tinha uma expressão de censura.

- E lá vai ela. Não há maneira de se comportar condignamente.

- Deve ter aprendido consigo. – Dei por mim proferindo esta frase com todo o ódio que sentia por aquela mulher.

- Ai, não deve não. Sabe, fedelho, vocês estão a precisar de aprender umas coisas, mas não será comigo. Isso garanto-vos. E não façam essa cara de inocência. Ambos sabemos que o velho Capuchinho os pôs aqui dentro para amolecer a minha sobrinha. Mas garanto-vos que desta guerra só haverá uma vencedora. Eu. – Agora sim, o verdadeiro rosto da Bernarda revelou-se. – Por isso, sugiro que façam as vossas malinhas e saíam das terras da minha sobrinha, se não serão corridos como a alucinada mãe da fedelha aí foi no outro dia.

Saiu da sala e dirigiu-se para as escadas. Ao pisar o primeiro degrau disse:

- Oh, gentinha medíocre!

Ficámos na sala em silêncio e em choque. O ódio daquela mulher magoou-me. Mais, o meu próprio ódio por ela queimava-me a garganta.

Sem aviso, a Vanessa correu para fora da casa não nos dando tempo para uma reacção pronta. Tenho a certeza que ia a chorar.

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