terça-feira, 17 de maio de 2011

70 – O que fazer, meu Deus? O que fazer?

A lata de tinta pesava-me mais na consciência do que no bolso. Mas vamos ser racionais. O peso na consciência não é por causa de algum remorso, e devia, nem porque compreendera que fizera algo de errado, que fiz, deve-se simplesmente ao medo de ser apanhado. Seria exposto perante a cidade, teria um montão de pessoas à perna. Sem contar com os meus pais, teria o Mayor, o Dr. Capuchinho, pai e filho, todos os membros do Conselho Municipal, o Xerife e os adjuntos, a Natércia que não perderia a oportunidade para humilhar a família Ventura, todos os bem e os aspirantes. Pior, talvez nem a Joana me perdoaria, apesar de ela talvez estar no mesmo barco, mas nunca a denunciarei. Nunca.

Por isso foi com angústia que me vi sozinho nas traseiras da minha casa, fugindo das mulheres da família. Nem quero imaginar o ambiente em casa depois de desmascarado. Tinha que me livrar a lata de tinta. Olhei em redor. Vi o Mike a acenar da sala, que se via pela porta da cozinha, pedindo cinco minutos para acabar de comer, adivinho eu, uma musse de chocolate, sobremesa frequente à mesa dos Sousa da Silva. Na minha casa consegui ver a Isabel a comer à colherada uma metade de papaia, fruta recentemente introduzida na dieta familiar pela mão desta minha irmã. Se comi uma vez foi tanto.

Ok, não podia despachar naquele momento a porcaria da lata. Para mais que não havia caixotes de lixo nas ruas. Sendo domingo, logo cedo os donos dos dito caixotes arrumaram-nos. Só na noite de segunda para terça é que serão postos ao relento. Não tenho tempo nem oportunidade para me escapulir até à loja e deixar a lata algures misturada com as outras.

Senti naqueles minutos de espera indecisão e angústia, devia desfazer-me imediatamente daquele peso. Peso físico e peso de consciência. Para piorar não sabia se devia vestir o casaco ou andar com ele embrulhado no braço.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Queria deixar aqui a sua opinião.