sexta-feira, 13 de maio de 2011

69 – Eu e as mulheres da família

O nosso almoço em família foi tristonho, o meu pai esteve o tempo todo no Conselho Municipal e a minha mãe não conseguia esconder a preocupação.

- Mãe, - disse-lhe eu – o que de mal poderá vir desta reunião?

- Não sei, Beto, mas afligem-me estas reuniões repentinas

- Será que estão a discutir se a Clarissa é neta ou não do Sr. Teotónio?

- Tu estás muito interessado nessa Clarissa... – Disse com veneno na voz a minha irmã Beatriz. – Pelo que sei tens andado muito na companhia dela... a visitá-la... e tudo... É tua namorada?

- Bia, és mesmo anormal...

- Beto! – A minha mãe repreende-me sempre que sou mais indelicado com a Beatriz, mas a miúda tira-me do sério. Ela já teve o desplante de me dizer na cara, que sendo mais nova quatro anos, quatro, é mais madura do que eu porque as raparigas amadurecem mais cedo. Já viram isto?

- ... nessa tua cabecinha só cabem namoricos e paixonetas. Nesta história há algo mais importante que namoros.

A Isabel ria da nossa discussão. Ri-se sempre. É sinal que a Beatriz ou eu a deixámos em paz. Mesmo a rir, lá ajudou à festa:

- Mas lá que tens andado com ela, tens.

- Pois tenho. Ela está hospedada na casa do Dr. Capuchinho e ele pediu-nos para lhe fazermos companhia.

- E como é que chegaste ao conhecimento do Dr.? – Perguntou a minha mãe surpreendida.

- Através da neta, o pai não contou? A neta Joana é nossa amiga, minha, do Mike, da Vanessa e do Luís.

- Qual Luís? – A Isabel andava de namorico com um Luís, mas não é o nosso.

- Luís Peixoto, primo da Vanessa, filho do Abílio Peixoto, o proprietário. Sabes quem é?

A três mulheres da minha família disseram ao mesmo tempo um “ah” de reconhecimento. Seria difícil haver alguém na cidade que não conhecêssemos.

- Muito bem relacionado, sim senhor. – Comentou a Isabel. – Combinação estranha, mas os tempos nesta cidade andam estranhos...

- Bem visto, Bel, - A Beatriz estava a irritar-me com as maneiras de menina crescida dela, já de pequena senhora – parece que o Beto e o Mike lá conseguiram furar por entre a carapaça do provincianismo e ascender a um nível superior. – Se a Beatriz conseguir entrar nos Bem, não sei o que faço. Mudo-me para a casa do Mike!

- Alegra-me a alma constatar constantemente que insistes em ser uma fedelha insuportável e nojenta. – Disse eu levantando-me da mesa. Quando cheguei ao lava-louça com o meu prato, talheres e copo já tinha ouvido a minha mãe dizer:

- Alberto! Pede já desculpa à tua irmã!

A ferver por dentro, nem sei bem o que pensei ou quis fazer. Fiquei um minuto a olhar para o lava-loiças à espera de explodir. Não aconteceu. Surpreendentemente a minha mente ficou desanuviada assim que me lembrei da lata de tinta para frigoríficos. Se alguém, por exemplo a minha querida irmã mais nova, a descobre não bastará ir viver para a casa do Mike, talvez nem no país poderia ficar. Reorganização de prioridades. Dirigi-me à mesa e encarei a Isabel.

- Beatriz, peço desculpas pela minha linguagem. Como bem sabes, o meu desenvolvimento emocional e intelectual não ultrapassa o de uma miúda de sete anos. Por isso deixo para ti a adulta tarefa de lavar a loiça. Eu vou brincar.

Peguei no casaco, ainda com a lata a fazer peso e fugi literalmente de casa. Mesmo assim deu para ouvir as gargalhadas da Isabel e os gritos de indignação da Beatriz. A minha mãe deve ter exclamado o meu nome, mas não cheguei a ouvi-lo.

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