sexta-feira, 17 de setembro de 2010

1 - A Origem da Silveira

Era uma vez um homem chamado Teotónio da Silva, alentejano de beira Sado, que emigrou para os Estados Unidos da América no início do século XX. Tinha dezassete anos e emigrava fugindo dos pais e do patrão.

Por causa de um namoro descuidara-se da vara de porcos que tinha a seu cargo. Fora até à aldeia de Sabugal do Sado e deixara os porcos presos num redil debaixo de um sobreiro. Nessa noite o tempo estava propício a trovoadas e foi cair um raio logo no sobreiro que abrigava os porcos. Outros caíram nas redondezas, os animais que não morreram electrocutados pereceram com o incêndio que veio depois. Da aldeia, Teotónio percebeu que havia um incêndio para os lados do redil, correu lá. Não esperou ser responsabilizado, já vira por muito menos castigos bem severos. Numa corrida pela sobrevivência foi a casa arrumar os poucos pertences que possuía e num golpe de coragem correu à casa do patrão, entrou furtivamente, como sabia onde era guardado o dinheiro para pagar os ganhões, levou consigo o cofre onde era guardado.

Dois dias depois estava em Lisboa e embarcou no primeiro barco que encontrou no cais. Era um cargueiro que se dirigia para os Açores levando gado. Na ilha de São Miguel esteve pouco mais de seis horas, pois as autoridades estavam a pôr dificuldades à sua entrada na ilha, por ser menor. Mais uma vez fugiu. E a sorte levou-o até perto de um grupo de pessoas que se preparava para embarcar para um paquete. Aproveitou a confusão e entrou também. Quatro dias depois de o barco partir, no meio de uma tempestade, foi descoberto e passou o resto da viagem entre a casa das máquinas, onde pernoitava, e a cozinha onde ajudava nas limpezas. No dia em que o paquete aportou em New York, mais uma vez aproveitou-se da confusão e fugiu. Não seria a última fuga. A estadia de Teotónio da Silva nos Estados Unidos foi repleta de fugas e aventuras, dignas de um dia serem postas em livro.

Após várias peripécias a vida de Teotónio acalmou, estaria por volta dos vinte cinco anos. Aprendeu a ler e a escrever. Empregou-se na linha de montagem de uma fábrica de automóveis da Ford. Em cinco anos conseguiu chegar a mecânico operador de máquinas. Com esta habilitação conseguiu um lugar numa fábrica de têxteis numa pequena cidade de New England. Foi aí que conheceu a senhora Fiona Stratford Wildmore recém viúva do dono da fábrica Wildmore Weaving, Brian Jacobs Wildmore Junior. O casal Wildmore teve dois filhos, Brian Jacobs Wildmore III e Mary Jane Wildmore, na altura a entrar na adolescência.

Ao fim de cinco anos a trabalhar na fábrica, primeiro como operário, mas subindo de posto gradualmente, Teotónio conseguiu entrar em contacto com a Lady Fiona graças ao seu cargo de encarregado de amostras. Ela requisitara amostras para um vestido da filha e o nosso Teotónio foi destacado para tal. Nunca mais ambos foram os mesmos. Nasceu ali uma relação fortíssima, que permaneceu dois anos oculta. No entanto, o segredo acabou e o escândalo podia ter sido maior se não se estivesse a entrar nos loucos anos vinte, apesar de naquela cidade a abertura desses anos ter esbarrado com o conservadorismo local. Os filhos de Fiona nunca aceitaram a ligação da mãe com o português, muito menos o casamento deles. Abonando a favor de Teotónio fica a sua iniciativa de o casamento ser com separação de bens. Ele genuinamente entrava no casamento por amor e reconhecia que o património de Fiona devia ser dos filhos.

O casamento durou dezassete anos, Teotónio tinha cinquenta e quatro quando Fiona de setenta faleceu. O desgosto quase que levou também a ele à sepultura. Sabendo a diferença de idades o português foi fazendo um pé-de-meia como precaução para a viuvez, pois sabia que os filhos de Fiona fariam tudo para o verem longe. Grande surpresa surgiu a quando da leitura do testamento. Metade do património da senhora Fiona Stratford da Silva, correspondendo a dinheiro, obras de arte e um apartamento em Manhattan, foi destinado para o Teotónio, ficando o resto que correspondia à fábrica e restantes imóveis para os filhos. Estes tentaram em tribunal contestar o testamento, mas não tiveram sucesso.

Nas vésperas da Segunda Grande Guerra Teotónio veio para Portugal. Com o pé-de-meia que amealhara poderia se dizer que ia viver livre de vergonhas, talvez como dono de uma loja ou restaurante, mas com tudo o que herdou chegou à sua pátria como um milionário. Encontrou um país muito diferente dos Estados Unidos, muito mais atrasado económica e culturalmente. Passou um ano em Lisboa e após várias visitas à sua terra natal, comprou várias propriedades entre a aldeia Sabugal do Sado e o rio com a intenção de criar uma réplica da cidade onde viveu o amor da sua vida. O nome da nova terra era para se chamar Fiona, mas numa vitória da razão sobre a emoção resolveu chamar-lhe Silveira. E assim surgiu a cidade onde nós vivemos, que é mais pequena que a aldeia de Sabugal.

E foi graças a este brilhante trabalho que eu ia quase chumbando no ano passado na importantíssima disciplina do décimo primeiro ano de Cultura Cívica do Liceu Geral de Silveira.

1 comentário:

  1. Gosto do seu traço humorístico que vai aparecendo aqui e ali, como na frase: "Por causa de um namoro descuidara-se da vara de porcos que tinha a seu cargo". Os pontos de partida para grandes histórias são normalmente bem triviais. Só foi pena os porquitos terem que ser sacrificados, mas enfim... Acabariam todos, de qualquer maneira, transformados em presuntos e febras ;)

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