sexta-feira, 17 de junho de 2011

79 – Hora H?

Quem nos veio abrir a porta foi a própria Joana. Ficou espantada por nos ver ali. Obviamente que a Vanessa não estava. Entrámos para a sala. A mãe veio cumprimentar-nos e subiu ao piso de cima. Contámos a cena na casa do avô Capuchinho. Ela ficou pensativa e por fim disse:

- Na verdade não devia surpreender, todos sabíamos que o Conselho Municipal ia requerer a prova genética... seria o que eu faria... por isso, não me espanta.

- A Vanessa ficou assim porquê? – Perguntei eu. – Tenho estado a pensar e não vejo uma razão forte para ficar chateado com a Clarissa só porque não nos disse nada.

- Ai não vês? – Disse o Mike olhando para mim admirado.

- Não... quer dizer, acho que não... sei lá. Que me importa saber se ela deu o sangue na segunda-feira ou amanhã!

- Ela não pode ter dado amanhã.

- Man, deixa de ser picuinhas. É forma de falar. Pouco me importa se ela deu o sangue na segunda ou ontem! Satisfeito?

- Vá, não se zanguem.

- O Beto, hoje está estranho.

- Lá estás tu...

- Meninos! Vamos lá, nada de picardias agora. – Fez uma pausa. – Eu também estou como o Beto, não me importa se ela fez e não nos disse nada. Afinal só fomos ter com ela quatro dias depois. Ela é porreira. Quem me preocupa é a Vanessa. Está a passar uma fase muito difícil.

- Não fazes ideia para onde terá ido? – Perguntou o Mike todo condoído. (Espero não fazer figuras destas, tenho que ter cuidado)

- Para aqui não veio... talvez tenho ido para casa.

- Eu não te disse? – Dei-lhe uma palmada no ombro.

- Então vou lá. – Ergueu-se logo num salto, assustando-nos. Perto da porta, voltou-se. – Talvez seja melhor vocês irem à Câmara, pode ser que tenha ido ter com os pais.

- E porquê que ela iria lá? – Perguntei, não venho lógica nessa hipótese, afinal ela estava assim por causa deles.

- Sei lá. Talvez para ir buscar uma chave da casa... - Não nos deu tempo para resposta. Saiu disparado.

A Joana disse-me que seria muito estranho a nossa amiga não trazer a chave consigo. A alegria por estar na presença da minha amada não ajudou nada na concentração no que dizia. Mesmo assim lembrei-me da hipótese de algum vizinho ter uma chave de reserva ou de pura e simplesmente alguma porta estar aberta.

Este estado de espírito não era o ideal para estar na presença dela sem estar a beijá-la. Devia declarar-me logo ali, neste momento. Joana gosto de ti. Convenci-me que eras a autora dos poemas escritos na cidade e que escrevias para mim.

terça-feira, 14 de junho de 2011

78 - Perseguição

Uma pergunta se impunha: para onde íamos? A Vanessa saíra da casa do Dr. Capuchinho, mas não nos dissera para onde ia. Para casa? Pareceu-me possível, mas quando expôs ao Mike tive como resposta:

- Achas que ela ia querer estar em casa sozinha? Fragilizada como está?

- Ela está fragilizada?

- Beto, hoje não dás uma para a caixa. Então não viste o estado em que ela estava quando fugiu?

Tive que concordar. Estava mesmo quase a chorar, mas isso não me parecia indicador suficiente para dizer que não tinha ido para casa. O Mike acrescentou quando estávamos a chegar ao cruzamento onde estivera o poema no chão:

- Ela vai precisar de desabafar com alguém. E esse alguém só pode ser a Joana. Tens reparado que ultimamente elas têm andado mais juntas?

Não respondei, mas realmente pouco tenho reparado na Vanessa. Há uma semana que só tenho olhos para a Joana. Se ele reparou, é porque só tem tido olhos para ela. Não há dúvida.

Com o meu silêncio ficou definido o próximo sítio onde ir. Continuámos pela Teotónio da Silva Street até ao ponto em que curva para ir desaguar, alguns cruzamentos a diante, na Main, já perto do Liceu. Nesta curva há uma passagem entre duas moradias que nos leva para fora da zona residencial. Há um olival e por ele um atalho que nos permite chegar à zona sul com rapidez. Todos na cidade conhecemos este tipo de atalhos, se a Vanessa dirigiu-se para a casa da Joana, terá sido por aqui que passou. Algo me dizia que ela não tinha vindo para estes lados. Não quis estar a contrariar o Mike, a cidade não é assim tão grande. Numa hora acabaremos por encontrá-la. No entanto acho estranho não a termos encontrado no atalho, mesmo ela correndo não tinha um avanço assim tão grande, nós viemos atrás dela pouco tempo depois. Para quê chatear o Mike?

E assim lá passámos o olival, entrámos no caminho de terra batida que contorna a cidade deste lado. Depois de um pequeno vale e de uma curva à direita avistámos para nascente os primeiro telhados da zona sul. Entrámos no primeiro caminho à esquerda que leva-nos para um beco que começa no início da rua da casa da Joana. Uma cão no quintal à direita começou a ladrar à nossa passagem. O Luís há tempos teve que correr e trepar a uma oliveira, pois este rafeiro tem um feitiozinho proporcional ao seu tamanho, tem quase a envergadura de um serra da estrela. Felizmente os donos estão sempre por perto.

E assim em menos de dez minutos, porque ainda parámos para esclarecer os sentimentos do Mike, chegámos à casa da Joana e nem sinal da Vanessa.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

77 – Solidariedade interesseira

Com eu já estava habituado à ideia de gostar de uma rapariga do nosso grupo, não me chocou a ideia de o Mike gostar da Vanessa. Ele pelos vistos ainda não tinha percebido. Deixei o meu interior rir à gargalhada, afinal quem é que era mais imaturo?

Como sinal de inconformidade ele recomeçou a marcha. Desta vez consegui manter o mesmo ritmo. Estive quase a abri-lhe o meu coração, mas algo me disse para não o fazer já. Afinal o rapaz acabara de descobrir-se apaixonado por uma das suas melhores amigas.

- Olha Beto, tu estás enganado. Não é possível eu...

- Tens ou não tens andado a pensar muito nela ultimamente?

O silêncio dele confirmou as minhas suspeitas. Quando ele ia abrir a boca, eu disse:

- E não venhas agora dizer que foram tantas vezes, que estiveste a contá-las agora.
Qual é o mal em gostares dela?

- Tem muito mal. Vai acabar com o nosso grupo.

- Porquê?

- Porque... porque... não vai voltar a ser a mesma coisa, nunca mais.

- Mike, - pousei a minha mão esquerda no ombro direito dele - se for para que tu tenhas finalmente uma namorada a sério, acho que vale pena.

É claro que eu quero que isso aconteça, que ele tenha uma história de amor feliz com a Vanessa. Os dois estão muito bem uma para o outro. Nem sei como ninguém se lembrou disso antes. Mas devo confessar que as minhas intenções estão manchadas com algum egoísmo. Desejo que a história deles funcione para que a minha possa vir a funcionar também. Os espinhos também se reproduzem.

terça-feira, 7 de junho de 2011

76 – A conversar nos entendemos

- Mas de raparigas já entendes. Certo?

- Meu, estás a brincadeira? És mesmo criança.

- Olha ele a chamar-me criança. Eu sou mais velho dois meses.

- Mas eu sou mais maduro.

- Vê-se. Se fosses, não dizias que não entendes as mulheres.

- Por ser mais maduro é que o digo.

- Tu estás parvo.

- Criança...

- Pois... mas afinal o que se passa?

- É pá, não sei. Tu estavas lá. Elas estavam a discutir. As coisas azedaram e a Vanessa saiu.

- E nós viemos atrás dela. O que há para entender?

- A Vanessa.

- A Vanessa?

- Sim.

- Então?

- Então o quê?

- O que é que tem a Vanessa?

- Pois é isso que eu queira saber.

- Ahn?

- Afinal quem está parvo és tu. Eu pergunto-me o que é que a Vanessa tem? Ela anda estranha há algum tempo.

- Ah! Isso.

- Também reparaste?

- Eu posso ser mais infantil, mas não ando cego.

- Pois.

- Eu acho que anda assim por causa da mãe dela. Sabes como ela é. Bem a viste há pouco, antes do almoço. Aquilo dá cabo de qualquer um.

- Não sei. Há algo mais.

- Achas?

- Ás vezes, quando fala comigo, parece estar a cobrar-me alguma coisa.

- Ficaste a dever-lhe alguma coisa?

- Acho que não. Não me lembro de ter alguma coisa emprestada por ela ou dinheiro.

- Se calhar, tu que és tão entendido em mulheres, fizeste-te a ela e...

- A ela? Nunca.

- Não te terás esticado com ela?

- Não... quer dizer... acho que não...

- Apanhaste alguma bebedeira ultimamente?

- Tu bem sabes que não. O meus pais matavam-me. Não, não pode ter sido isso.

- Se calhar sorriste-lhe alguma vez de uma forma menos de amigo...

- Lá estás tu. Mas tu julgas que eu faço-me todo o rabo de saia?

- Queres que te faça uma lista?

- Vá. Vamos falar a sério. Ando preocupado com ela.

- Desde quando?

- Eu preocupo-me com os meus amigos.

- Só te fica bem, mas esta preocupação com ela é de amigo?

- Claro, havia de ser de quê?

- Também te preocupas com a Joana?

- Com ela é diferente.

- Porquê?

- Ora, porquê? Porque sim.

- Bela resposta. Estás a ver? Se calhar a tua preocupação não é só de amigo.

- Claro que é. Eu... eu, só conheço a Vanessa há mais tempo. Só isso.

- Hum... se fosse a ti, pensava melhor. A Vanessa é uma miúda gira, nunca lhe conhecemos um namorado. É esperta, talvez te fizesse bem namorares com uma mais inteligente do que o habitual.

- Pára com isso, meu. Não quero confusões com ela.

- Só há confusão se tu provocares. Se a tratares de forma diferente das outras, não há confusão.

- Mas quem é que disse que eu quero andar com ela?

- Digo eu por ti. Está na cara, vejo agora claramente, que gostas dela. Lembro-me de sexta-feira depois de virmos da loja do meu pai. A tua maneira de estar ao pé dela... como é que não percebi na altura?

- Estás parvo? Eu e a Vanessa? Não é possível. Nós somos amigos.

- Mas tu próprio disseste que te preocupas com ela... e eu acrescento: de forma diferente da Joana. Está clarinho, estás apaixonado pela Vanessa.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

75 – O Mike e os meus pensamentos

Durante algum tempo, que me pareceu muito, mas deve ter sido mais ou menos meio minuto, ficámos eu e o Mike em silêncio naquela luxuosa sala de estar. De repente o luxo deixou de atrair. A temperatura terá caído em segundos? Éramos dois seres estranhos ao cenário. Retratos, lareira, candelabro, sofás e restante mobiliário, o fofo tapete, reposteiros e a pouca luz por eles coada. Um casaco por ali abandonado, levemente familiar, dava um toque de melancolia a mais ao nosso estado de espírito.

Como se o tempo tivesse voltado ao fluir normal, a voz do Mike soou-me demasiado alta.

- Meu, vou atrás dela.

Segui-o. O que fazer? Ficar? Para quê? O ambiente estava péssimo e a Clarissa talvez não apreciasse muito a minha companhia. Mais, o meu lugar é com os meus amigos que estejam com problemas. A Vanessa precisava de todos nós. E... afinal o que a Clarissa foi fazer lá a cima? Ah, sim, foi ver o papel da análise genética.

As passadas do Mike eram largas. Como levei algum tempo a atingir o ritmo dele, deu para reparar em como ia tenso. Os meus pensamentos ocupavam-se com outra pessoa. A Clarissa. Como me situar perante o facto de ela ter feito a análise e não nos ter contado nada? Teria obrigação? Estávamos a construir uma amizade, se nos tivesse contado mudaria alguma coisa? E agora? Tantas perguntas, mas nenhuma resposta em parte porque o Mike virou-se para mim e perguntou:

- Beto, o que é que acabou de acontecer? – Ele parou e ficou a olhar para mim. Deu-me vontade de rir. Apoiava-se na perna esquerda, a outra ligeiramente adiantada. Mãos nas ancas. Rosto preocupado. – Juro-te que não entendo as mulheres.

Ora aí está uma revelação bombástica: o grande Mike não entende as mulheres!