sexta-feira, 29 de outubro de 2010

13 - Joana

Da Joana há a dizer que pertence a uma das famílias mais prestigiadas de Silveira. O avô paterno foi advogado do próprio Teotónio. Foi ele que ajudou a criar a Silveira do ponto de vista legal, ou se quisermos ilegal. O filho não quis seguir as pisadas do pai e formou-se médico, podia muito bem ser o director geral do Health And Care Grand Hospital da Silveira. Prefere ter um consultório no fim da Main, mesmo em frente ao Liceu Geral. O pai da Joana chama-se Filipe Miguel Barata Capuchinho e quando voltou formado em medicina trazia consigo a sua esposa Margarida da Cruz Diniz, uma recém formada professora de matemática. Eu não a tive porque a Joana tem sido da minha turma desde a primária.

A família por inerência histórica é prestigiada, mas houve outras que se sobrepuseram em poder e, quiçá, brilho. Os Capuchinhos vivem para o serviço e quem governa vive para ser servido. No entanto as filhas não deixaram de pertencer ao grupo “bem”. A Maria Luísa deve já estar arrependida de não ter ido para a Universidade. Por causa do calhorda do Rui ela pode ter hipotecado um futuro brilhante, era e é tão boa aluna como a Vanessa. O que o amor faz.

A Joana, quando era uma menina “bem”, era no entanto discreta e afável para todos. Como já disse, antes de a conhecer melhor tinha uma imagem dela bastante desfavorável. Se não tivesse existido aquele trabalho, nunca me teria cruzado com ela. A sua discrição passa também pela pouca notoriedade escolar a nível de notas. É popular pela simpatia, mas ninguém se preocupa muito com ela. O ostracismo votado pelo avô ao filho atingiu-a também, mas o mais interessante é que ela gosta disso, sempre se sentiu incomodada pela popularidade da irmã.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

12 - Luís

O Luís é primo direito da Vanessa, é um Peixoto porque o pai é irmão do pai dela. É o terceiro filho de seis do casal Abílio Peixoto e Maria Idalina Cunha. O senhor Abílio e a dona Idalina protagonizaram um fervoroso romance que está bem patente na prole. Ele veio para a zona como soldado da guarda em Alcácer do Sal e como gostava muito de bailaricos e festas correu-as todas da região. A Idalina era filha de um grande proprietário de Palmela. O amor foi imediato e arrebatador. Andaram fugidos pelo país e estrangeiro, cada um dos filhos nasceu numa terra diferente. O Luís nasceu nos Pirinéus. Instalaram-se em Silveira porque o irmão Miguel, que já cá vivia, os chamou. Por sorte a madrinha da Idalina era muito rica e ao morreu deixou-lhe toda a fortuna. E assim a família do Luís, chegando na miséria para ir trabalhar na apanha do arroz e na varredura das ruas, subitamente viu-se investindo em terra fora da Silveira. O pai do Luís é um grande produtor de arroz. A mãe é doméstica e cuida dos filhos.

Por causa desta história familiar o Luís adoptou uma postura neutra. Não quer ou pode se aliar aos aspirantes porque de uma certa forma pertence aos “bem”. Toda gente respeita-o, mais pelo poder da família do que por ele.

Não é lá grande aluno, vai dando para passar, não me parece que queira seguir a Universidade. É o artista do grupo, desenha muito bem e gosta de pintar. Quem o quiser ver é no campo, frente a um arrozal pintando o reflexo do céu no azul e verde do leirão. Para além da arte, tem uma paixão pelo rio Sado, volta e meia lá anda na esperança de encontrar um roaz.

De nós todos o Luís é o mais sossegado em relação aos amores. Ele tem um namoro há quase quatro anos com uma rapariga do Sabugal. Só nós os Espinhos é que sabemos disso. Ele mantém esta imagem de artista alheado para não sofrer pressões. É o maluquinho da família. Quando tiver perto de vinte anos e que os seus quadros e trabalhos gráficos comecem a dar dinheiro, vai para o Sabugal e casa com a namorada. Já fomos todos convidados. Vai ser bonito, vai.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

11 - Vanessa

Quem não anda a dormir é a Vanessa, Vanessa Cristina Silva Peixoto. Vanessa Cristina, devemos ser muito poucos os que sabem desta faceta obscura desta brilhante aluna. Ela será sem dúvida alguém muito importante, mesmo lá fora. Quer ser advogada e tem estofo para ser o que quiser neste mundo. Para além de muito inteligente, é o complemento feminino do Mike no desporto e é bem bonita. Até parece ser a mulher ideal, mas, e há sempre um mas, tem um feitiozinho difícil. Literalmente tem arrasado todos os pretendentes a namorado mesmo antes de eles a pedirem em namoro. É uma verdadeira armadilha, atrai o incauto rapaz e depois ataca-o impiedosamente usando a grande inteligência que todos lhe reconhecem. Não sei até que ponto gosta de jogar, de manipular os outros. A verdade é que para além dos Espinhos não tem amigos.

A mãe dela, que se chama Clotilde Silva, trabalha na Fiona’s Boutique. É uma mera empregada, mas quem olhar para ela pensará que é uma especialista em moda, uma opinion maker, e muito bem relacionada. É casada com um quadro médio da Câmara, chamado Miguel Peixoto. Este ramo dos Silvas é chamado Os Silvas Novos, para além de terem perdido o da, estão ligados ao Teotónio por parte de uma irmã dele que casou com um algarvio chamado Manuel Silva. Ele veio à monda e foi ficando, encheu a casa e o Sabugal de filhos, alguns vieram para aqui.

Uma característica das famílias dos aspirantes é que procuram ser aquilo que não são, mas desejam ardentemente ser. É triste ver o esforço da dona Clotilde em singrar na elite mais restrita de Silveira. Felizmente a Vanessa tem conseguido escapar airosamente aos devaneios da mãe. Ultimamente a principal preocupação da mãe da Vanessa é que ela arranje um namoro na elite e que seja rainha do Baile de Finalistas do liceu. A senhora vive para isso...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

10 - Mike

Ninguém sentiu a nossa falta no Young, nem cada grupo os membros perdidos. Assim se vê a importância das pessoas.

Cada um dos Espinhos tem uma importância única. O Mike é um dinamizador por excelência. Está sempre pronto para tomar iniciativas, a pensar em fazer coisas, quaisquer que elas sejam. É o atleta do grupo e bonito também. Pode-se dizer que eu vivi sempre à sua sombra. Das poucas namoradas que tive a ele o devo. Sempre namorei as amigas das namoradas dele. Ele é o leão e eu a hiena, bonita imagem e bastante favorável a mim, sim senhor.

Como já disse a nossa amizade remonta aos tempos de berço. As nossas mães já eram amigas de infância e como somos vizinhos o estranho seria não sermos amigos.

O pai do Mike trabalha na barragem norte como operador chefe de turbinas. Chama-se Gustavo Meirinho da Silva e a mãe Maria da Luz Sousa da Silva. Para além do Mike, que se chama António Miguel Sousa da Silva, há o Carlos, mais velho, o Manuel e a Susana, mais novos. Estes Silvas pertencem a uns Silvas que há cinco gerações vieram para esta zona. São os Silvas Velhos, pois o ramo do Teotónio veio de outra região do país há quatro gerações. No entanto, os dois ramos cruzaram-se quando um bisavô do Mike casou com uma tia do Teotónio e por isso nós somos ainda parentes no sétimo ou oitavo grau.

A dona Maria da Luz também trabalha como costureira para o senhor Peninha. Ela faz o trabalho em casa, optou por isso para poder estar mais perto dos filhos. A Susaninha está a seguir os passos da mãe, está a tornar-se uma boa costureira.

Neste momento o Mike tenta conquistar uma lourinha, meio neutra meio aspirante, um ano mais nova. Refuto desde já a ideia de vir a lucrar com esta relação, de há duas namoradas para cá deixei a hiena em mim adormecer.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

9 – O início de uma nova era

Então como é que nasceram os Espinhos? Nós os cinco estávamos na mesma turma e fomos obrigados a fazer um trabalho de grupo juntos. A professora de História quis misturar os alunos pertencentes às várias sensibilidades da nossa sociedade. Era tradição ninguém se misturar e haver grande competição. Chegou a haver espionagem e sabotagem de trabalhos de grupo. Desta vez o objectivo era evitar isso, mas era arriscar confusão.

Na nossa turma os neutros eram poucos, mas suficientes para no meu grupo ficar o Luís. Nos outros grupos ficaram dois “bem”, um neutro e dois aspirantes. Como faltava um “bem” e sobrava um indiferente, eu, o nosso grupo ficou com dois aspirantes e uma “bem”, a Joana. Coitada da Joana, se na realidade ela não fosse uma miúda muito diferente do estereótipo, não teria sobrevivido no grupo. Logo que nos juntámos, ela disse:

- Bem, vamos pôr mãos à obra?

- E quem é que te nomeou líder do grupo, para vires dar ordens? – Perguntou a Vanessa.

- Ninguém. Só queria evitar discussões sobre qualquer coisa fora do trabalho. Nós temos maneiras diferentes de ver as coisas, usemos isso para valorizar o nosso trabalho de grupo.

- Apoiado. – Disse o Luís e falando para mim começou logo a planear o trabalho.

Nós os dois debatemos e fixámos os vários pontos de interesse do assunto a desenvolver. Aos poucos os outros entraram no debate e o nosso grupo foi o mais harmonioso da sala. Casos houve que por respeito à professora não surgiram agressões físicas, mas no recreio houve porrada.

Encontrámo-nos várias vezes fora da escola, sempre no Young. Entre as amigas da Joana e os amigos do Mike e da Vanessa, havia uma certa estranheza ao ver-nos juntos a trabalhar.

O Young é um espaço com um longo balcão, que acompanhava a esquina para ambos os lados, e mesas para seis pessoas ao longo das montras. Os membros dos “bem” ficavam sempre na ponta mais longe da porta do lado da New England, os aspirantes obviamente na ponta do lado da Main. Nós estávamos ora de um lado ora do outro.

A formação consciente dos Espinhos Narcisos ocorreu quando num certo dia entra um casal no Young e vai para o lado dos “bem”. A rapariga, uma Marta de dezassete anos, vinha de mão dada com um tipo chamado Rui de dezoito anos. Ela era uma das principais dos “bem”, cheerleader, rainha de popularidade e filha de um ex-Mayor. O Rui era “um quadro médio” dos aspirantes, batedor de sucesso de basebol e filho de um dos líderes da oposição ao actual Mayor. A Joana ficou chocada ao vê-los pois este Rui tivera, até umas semanas atrás, um romance conturbado com a irmã mais velha dela, Maria Luísa. Este namoro nunca chegou a ser oficial e às claras porque as pressões eram muitas, sobretudo por parte do lado “bem”. Do lado dos aspirantes igualmente havia a noção de que não deviam haver ligações com os opressores. E o Rui era conhecido pelos seus ideais de esquerda e de irreverência. No fundo era mais um “bem” só que disfarçado. E ambicioso, manteve a Maria Luísa em banho-maria, nunca querendo assumir um compromisso até que teve a oportunidade de fisgar um partido melhor. A Maria Luísa sofreu muito com a situação e com o rompimento ainda mais. Sofreu ao ponto de ter saído de Silveira por largos tempos, oficialmente para estudar, mas, segundo mais tarde a Joana nos confidenciou, na realidade esteve numa clinica a recuperar de uma depressão.

Ao ver o casal a entrar a Joana ficou branca e depois vermelha e subitamente sussurrou-nos que queria sair dali imediatamente. A Vanessa que também estava furiosa pela traição ao grupo pelo Rui, disse:

- Mas temos o trabalho para fazer, hoje mal começámos. Temos que avançar um pouco.

- Aqui não fico mais nem um segundo! – Disse a Joana categoricamente.

- E o nosso trabalho? – Perguntou o Luís.

- Continuamos noutro sítio hoje ou noutro sítio noutra altura. – Respondeu ela levantando-se.

- Não podemos nos atrasar. – Disse a Vanessa – Que tal irmos então para a biblioteca?

- Na biblioteca não podemos falar à vontade. Eu conheço um sítio bom e hoje está um bom dia. – Disse eu e propus o Hide Park.

A ideia foi aceite por todos e num instante pusemo-nos lá. Quando já estávamos instalados, a Joana disse:

- Vocês sabem que eu sempre andei com pessoas que são chamados betos, betinhos...

- Antes de mais quero dizer que beto só há um, sou eu e mais nenhum. Eu sou o Beto. Convém que lhes chamemos de meninos e meninas bem, meninos da mamã, finórios, cor de burro quando foge, mas betos não. Ok?

- Está bem. Como estava a dizer eu pertenço a esse grupo, mas quero deixar de pertencer. Depois de ver o que aquele desavergonhado fez e pior ainda, o que os... finórios fizeram ao aceitá-lo de braços abertos, eu não tenho outra alternativa do que cortar com eles. É por isso que não quero voltar tão cedo ao Young.

- Eu estou de acordo contigo. – Disse a Vanessa. – O Rui traiu os amigos e companheiros.

- E pior, - começou o Mike – eu bem vi os amigos deles todos sorridentes como que aprovando.

- Eu acho bem, - disse o Luís - como neutro nesta contenda quanto maior união melhor.

- Pois acho tudo uma hipocrisia – disse eu – uns atacam os outros, mas somente com o intuito de os substituir. O Rui conseguiu passar para o lado dos finórios e estes acolheram-no de braços abertos. Uns dias antes quase que se matavam, agora por ambição são amigos. A mim cansam-me estas coisas. A política é-me indiferente.

Houve um silêncio. A Vanessa perguntou pela irmã da Joana. Não obteve resposta excepto as suas lágrimas. Nós adivinhávamos alguma coisa de grave, mas ela só mais tarde nos contaria. E quando o choro abrandou eu num arrebate emotivo declarei que nós os cinco devíamos formar o nosso próprio grupo e deixar de ser conduzidos pelos critérios instituídos da nossa sociedade. Assim nasceram os Espinhos Narcisos.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

8 – Pré-história

Nós os Espinhos Narcisos gostamos mais do Hide Park do que do Young. Podemos ficar sossegados debaixo de uma árvore conversando sem intromissões. Em Silveira existem dois grandes grupos juvenis: os ricos que eu intitulo de grupo “bem”, no fundo são uns betinhos, mas como eu sou o Beto prefiro chamá-los de “bem”; os outros são os aspirantes a “bens”. É como se fosse direita versus esquerda. Os “bem” representam o poder e direita, os outros representam a alternativa e a esquerda. Os Espinhos podiam ser uma terceira via, como na política, mas não queremos. Nós somos nós e vemos a vida à nossa maneira. Não queremos poder.

Por isso preferimos o Hide Park, não queremos as confusões propícias ao Young. Naturalmente tempos houve em que eu e os meus amigos andámos sempre por lá. Ocasionalmente ainda lá vamos, mas é mesmo para consumir ou levar para o parque.

O curioso é que o Young esteve na origem dos Espinhos. Eu e o Mike somos vizinhos, porta com porta, tal e qual como irmãos. No entanto, ele simpatizava com o grupo aspirante a “bem”, talvez por tradição familiar. Ele e a Vanessa eram membros activos. Naturalmente que eu ia também, nem que só fosse para estar integrado num grupo no Young. Ora a Vanessa é prima, pelo lado não Silva, do Luís, que era como eu, neutro. Ou melhor, o Luís é neutro e eu sou indiferente, o que faz com que esteja fora da disputa, quem é neutro está dentro. Antes da criação dos Espinhos, portanto na pré-história, a Joana pertencia ao grupo “bem” e era aos nossos olhos uma petulante, mimada e convencida. Ok, aos meus olhos. Os outros eram contra, por ela estar do outro lado ou porque era muito activa.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

7 – Some hot spots

Que mais se pode dizer sobre Silveira? Há várias warehouses (sim, nós aqui chamamos isto às lojas que não são da área dos comes e bebes), principalmente na avenida principal, chamada Main Avenue. O sistema de comércio nesta cidade é interessante. Para todos os efeitos os nossos fornecedores externos têm os nossos contactos em terras aqui nas redondezas, é aí que estão os armazéns. Depois nós, discretamente, trazemos as mercadorias para a cidade. Eu sei disto porque o meu pai gere o Grand Silveira’s Groceries Store, ali vende um pouco de tudo, desde fruta a bugigangas. Sim, a moda dos trezentos também chegou aqui. A loja situa-se no primeiro cruzamento da Main. Primeiro e principal de toda a cidade. A via que cruza com a Main é a New England Street (na minha opinião esta merecia ser também ser uma avenida, é tão larga como a Main) e liga a oeste o campo de desportos, não escolares, com a estrada que liga Silveira com o resto do mundo a leste. Na realidade todas as estradas vão dar à saída de Silveira, o tal portão mágico. É uma verdadeira rede viária.

Naturalmente que o cruzamento tem um nome... e ele é... America’s Point. Um forasteiro dirá: “o quê?” e depois “porquê”. E alguém dirá, silveirense claro, porque sim. Nós chamamos-lhe somente Point. E o Point tem uma importância fundamental para o jovem, e mesmo adulto, silveirense. Numa esquina tem o Grand Groceries, em frente na Main está a Young Silveira’s Food, onde os adolescentes e jovens vão encontrar-se, namorar e comer uma sandes com uma cola. Mesmo antes da Young está o Post Officce onde a minha mãe trabalhou. Dou outro lado da New England, do lado da Grand está o The Workers Licor and Food, um largo restaurante onde, agora, quem for ou pretenda ser alguém em Silveira vem aqui regularmente, é uma espécie de ante-câmara da Câmara. Do outro lado está Fiona’s Boutique a maior warehouse dedicada à roupa, mas homem que é homem vai à casa do senhor Augusto “Peninha” Alves. Os jovens não têm outro remédio se não ir ao exterior comprar a roupa que preferem. Eu já tentei convencer o meu pai a abrir uma secção de roupa jovem, mas ele diz que não tem alvará.

Ao lado do Fiona’s Boutique está o Silveira’s Theatre onde se vê o cinema possível. Na verdade agora está muito melhor, embora não se devesse chamar tecnicamente cinema ao vídeo. Recentemente os responsáveis pela cidade perderam a cabeça e compraram um écran plasma enorme e como os dvds são baratos e acessíveis, os silveirenses cinéfilos andam a ver os êxitos com uns meses de atraso. É bem melhor do que antes, que não víamos nada ou com anos de atraso. Quem quer ver teatro vai ao exterior ou ao liceu.

Quem quer dançar tem dois locais: ao lado do Young, e pertencendo à mesma gerência, está um inicialmente projectado Saloon remodelado no interior, que se converteu em bar discoteca, para festas maiores é aberto o andar superior, mas normalmente lá situa-se uma associação recreativa; o outro lugar para se dançar é o Hide Park, sim Hide, porque está circundado por uma vedação de madeira de um metro e se situa no fim da New England à direita, lá existe um parque muito bonito e bem tratado, há um coreto e um pequeno anfiteatro ao ar livre, é aí que se pode dançar, quando a música for propícia, ou então estar sentado na relva. O coreto tem o nome de coreto e o anfiteatro o nome de Silveira’s Music Bowl. Americanices.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

6 - Fiona

O rio merece uma certa atenção. Sem dúvida que tenho que louvar a coragem e engenho do nosso Teotónio. O rio não existia quando comprou os terrenos. Nem mesmo um ribeiro. Nada. Mas isso não o impediu de prosseguir o seu sonho. Mais a norte há uma ribeira afluente do rio Sado. Numa zona de vários montes foi construída uma barragem. Também construi-se um canal que vai buscar água a essa ribeira. Vai buscar tanta que o caudal da ribeira vai todo para a barragem e ainda vem água do Sado, mercê de umas obras engenhosas de desnivelamento o leito da ribeira a fim receber a água sadina. Portanto o nosso rio tem esta origem. A barragem serve para normalizar o caudal do rio. Isto a montante, a jusante, também entre montes, há mais uma barragem que permite que o rio tenha um caudal abundante. A água passando por essa barragem segue por um outro canal até ao Sado. Para além do nivelamento e manutenção do rio, as barragens também servem para gerar energia eléctrica.

O rio é algo sinuoso, como convém, mas permite haver uma praia e um espaço para praticar remo, para além de canoagem logo à saída da barragem norte. Houve em tempos uma discussão sobre a necessidade ou não de piscinas. O rio venceu.

Outro facto curioso relacionado com o rio é o seu nome: Fiona. Sim, o nosso rio tem um nome feminino. Houve grande celeuma nos primórdios da cidade. Obviamente que o Teotónio quis perpetuar em Silveira o nome da sua amada e também, a bem da verdade, a grande, quiçá principal, responsável, mesmo que indirectamente, pela existência desta cidade. Pois foi com o dinheiro que ela deixou como herança que isto tudo foi construído. Já que não foi dado o nome dela à própria cidade, ninguém conseguiu demover o Teotónio de baptizar o nosso rio com o nome da sua amada. As vozes machistas, que afirmavam ser inadmissível um rio, palavra masculina, ter um nome feminino, foram logo caladas com o nome do rio Guadiana.

Fiona teve uma existência conturbada no início. Então não é que a cidade dirigiu os esgotos todos para o rio (curiosa imagem para um rio com um nome tão significativo). Obviamente que rapidamente repararam que o belo rio que tinham à porta não era mais do que um feio esgoto. Feio e mal cheiroso, suponho eu. Grandes discussões no salão nobre da Câmara, nos restaurantes e pubs (em Silveira não há cafés como no resto do pais, americanices). Muito debate houve nesta cidade, curiosamente no tempo em que no país não havia debate e se alguém quisesse era preso. A clandestinidade tem as suas vantagens.

Como não havia solução alternativa, a cidade teve que criar um sistema de tratamento de esgotos. Não, não os enviaram para a foz do rio Fiona, não havia garantias que a poluição não fosse entrar na nascente, visto que o rio Sado corre de sul para norte. Eu sorrio sempre ao pensar nisso. O sistema foi do mais moderno para a altura e actualmente continua a ser dos mais avançados do mundo. Temos cinquenta anos de experiência.

A água consumida na cidade é obviamente do rio Fiona, devidamente tratada, logo extraída da barragem norte. Porão alguma coisa nela para agarrar os silveirenses ao doce remanso da terra natal? Isso não sei.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

5 – Um lamiré ao planeamento urbanístico silveirense

Então, como é Silveira? Foi construída num vale, circundado por montes, mais elevados do lado de Sabugal. Poder-se-ia dizer que se situa numa cratera de vulcão caso tivesse existido algum aqui. As ruas principais estão dispostas de norte para sul, situando-se o edifício da Câmara, onde trabalha o Mayor, no topo norte. Imaginado a cidade como um corpo deitado de barriga para cima, a cabeça estaria ligeiramente inclinada para a sua direita. Na verdade, todo o corpo faz como que um arco.

Há uma rua principal, onde se situa a cadeia anexa à Câmara. Bastante conveniente. Mais ainda quando a única funerária se situa entre esta e o grandioso hospital, que chega a estar uma semana sem doentes. Ah, povo mais saudável!

Ou seja, os principais edifícios administrativos e de serviços públicos estão todos juntos. Curiosamente o liceu, outro grandioso edifício, mesmo grandioso em relação ao tamanho e arquitectura, ora este edifício situa-se, pasme-se, no lado oposto da cidade. É evidente para todos que aquela gente, deambulando por esse espaço, é perigosa e barulhenta. Os altos e misteriosos destinos da nação silveirense não podem ser incomodados por essa gente perigosíssima. Do outro lado da cidade olhamos com desdém, mesmo desprezo, para essa discriminação. E não venham para cá com a história de que o liceu precisava de muito espaço, dando a entender que não havia na zona in da cidade. A cidade foi construída de raiz, projectada de uma só vez, bastava reservar um espaço, nem que fosse a meio da rua principal. Mas não, lá para o fundo se faz favor. E não pia. Também não se entende, não entendo, porquê que não há edifícios em frente à cadeia, à funerária e ao hospital. Admito que está bonita a rua ali naquela ponto, pois em frente está o rio. Mas do outro lado da margem, não há nada, só um arrozal e mais em frente um monte cheio de árvores. Tudo verde. Só verde.

O primeiro edifício oposto ao hospital é a igreja. Como a América é o berço da democracia, democracia e mais um montão de coisas que existiam há séculos, até milénios, mas que foram eles que descobriram. O que nós seriamos sem eles? Como são esse verídico berço, o nosso querido Teotónio determinou que fosse construída uma sinagoga ao lado da igreja (que pouco depois se transformou num banco por falta de adeptos e excesso que dinheiro silveirense [sim nós temos uma moeda própria, essa moeda mundialmente poderosa, com o singelo nome de Silva, uma Silva valia no início dois tostões: vinte centavos no tempo dos escudos e um cagagésimo no tempo dos euros]) e mais um espaço livre para mais alguma confissão religiosa que surgisse depois. Enfim, está tudo muito bem organizado.